Título: Aldo, Severino e a carne-de-sol
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 04/05/2005, Panorama Político, p. A2

Parece que caíram as fichas. A de Severino Cavalcanti, depois da vaia de domingo, advertindo-o sobre os riscos, para toda a Câmara, da política de casa parada. A do governo, sobre os perigos da perda do controle sobre a pauta da Câmara. O ministro Aldo Rebelo convidou Severino para almoçar hoje.

Na melhor tradição nordestina e conciliadora: almoço em casa, com a presença de dona Amélia Cavalcanti e de Rita, mulher de Aldo, que deve apresentar ao casal a excelência de sua carne-de-sol vinda diretamente de Alagoas.

Culinária à parte, a queda-de-braço entre Severino e o governo está, ou estava (dependendo do encontro de hoje) chegando ao limite. Isso é que é grave, embora o noticiário valorize mais as declarações fora de tempo e lugar de Severino, como a de que casou quase virgem. Ou a confissão de suas convicções mais arcaicas, como a de que é contra o aborto até em caso de estupro. A perda da pauta é grave porque no Congresso não há lugar para o vento. Se o governo não aprova o que lhe interessa, a oposição aprovará matérias que lhe trarão danos, como seria o caso da fatia da reforma tributária que Severino quer (ou queria) votar isoladamente, ao custo de mais um R$ 1 bilhão em repasses federais para os municípios. Com apoio da oposição, é claro.

De volta ao Brasil, o embaixador Rubens Ricupero registrou como um de seus maiores espantos com a cena doméstica a perda da iniciativa política pelo governo na Câmara. A partir da eleição de Severino, a base governista realmente entrou em parafuso mas tem sido orgânica o suficiente para garantir a obstrução das votações, evitando que Severino vote só o que deseja. Obstruir é uma arma legítima de qualquer governo mas em situações especiais. Fazer disso uma política seria confissão de impotência, e daí para o pior seria um passo.

Severino, também preocupado com a situação depois das vaias paulistas, declarou ontem que o governo é que teria de procurá-lo, o que aconteceu já no avançar da noite. Aldo, o conciliador coordenador político, diz que será uma conversa à procura da boa convivência, que começará pela busca de uma data comum para a votação da reforma tributária (a emenda inteira), ficando eventuais ajustes para a lei complementar.

Mas só com carne-de-sol e rapadura o governo não chegará ao necessário ou inevitável, como se prefira, acordo de convivência com Severino. Para tornar-se sócio da elaboração da pauta, Severino e seu PP voltarão a pedir sociedade no governo. Por isso, deve ser retomada agora a conversa sobre a ida de um pepista para o Ministério. Sem ultimatos e sem hora marcada, como gesto natural do presidente Lula.Dura lex: Rodrigo Maia vai apresentar emenda à lei anti-nepotismo proibindo também a nomeação de parentes de autoridades para empresas concessionárias e agências reguladoras.

O PT e a festa tucana

José Genoino, presidente do PT, diz que o PSDB tem todo o direito de festejar os cinco anos da Lei de Responsabilidade Fiscal ¿apesar do cheiro eleitoral¿ do evento.

¿ Quero apenas refrescar algumas memórias tucanas, assim como eles refrescam a nossa. O governo FHC não fez ajuste fiscal no primeiro mandato. Em 1996 houve um déficit primário de 0,5% do PIB e em 1997 também. Ele só não se repetiu em 1998, chegando a R$ 3 bilhões, porque o FMI deu uma mãozinha, permitindo que fosse contada como receita uma parte do que foi apurado com a venda do sistema Telebrás.

Lembra ainda Genoino que a lei não foi uma criação tucana mas uma sugestão do FMI a todos os países que precisavam ajustar suas contas internas.

¿ Não é o nosso caso hoje mas nem por isso temos negligenciado o equilíbrio fiscal. O resto é perfume eleitoral ¿ diz ele.

Perfume forte, pelo visto, porque os petistas não escondem o incômodo com a festa tucana de hoje.

Visitas diárias. Estrangeiras.

A agenda diplomática continua congestionada, cansando os guardas que trocam as bandeiras no Itamaraty. Ontem o visitante era o presidente angolano, Luis Eduardo Santos. Hoje, o chanceler português, Diogo Freitas do Amaral, que vem tratar de imigração (ilegal de brasileiros), reconhecimento de diplomas, investimentos e comércio. Os portugueses também têm sua agenda do ciúme. Não gostaram do plano brasileiro de instalar em Madri, e não em Lisboa, a sede da Agência Brasileira de Exportação.

Mas nada como o exaltado ciúme argentino. O ¿Clarín¿ dizia ontem que agora o Brasil está pondo ¿panos frios¿ na situação. Nisso também divergimos. Falamos em panos quentes.

A TAXA de espírito público no ar fica muito baixa quando os partidos começam a colocar seus interesses na frente dos interesses do país. Foi o que aconteceu ontem na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara: a queda-de-braço entre os partidos em torno da emenda que acaba com a verticalização das coligações impediu que o deputado João Paulo apresentasse seu parecer ao projeto que regulamenta o referendo à lei do desarmamento.