Título: PACIENTE MORRE NA FILA DE UM POSTO DE SAÚDE
Autor: Cristiane de Cássia
Fonte: O Globo, 03/05/2005, Rio, p. 13

Mulher hipertensa chega de madrugada, passando mal, mas não é socorrida: o atendimento só começa às 7h

As mais de 30 pessoas que estavam ontem de madrugada na fila de espera para atendimento de um posto de saúde em São Cristóvão presenciaram a agonia e a morte de uma paciente. A autônoma Neusa Evangelista Fumera Magalhães, de 55 anos, chegou à fila passando mal às 4h30m e morreu cerca de uma hora e meia depois, sem receber socorro. O posto de saúde não tem serviço de emergência e abre às 7h. Pessoas que estavam na fila e funcionários do posto informaram que bombeiros foram acionados por volta das 5h e demoraram mais de uma hora. O Corpo de Bombeiros alega, porém, que só foi chamado às 6h01m e chegou nove minutos depois. A presença do corpo na calçada até as 10h20m deixou pacientes chocados.

Diretora diz que paciente estava sendo tratada

Neusa participava há dois anos do programa de tratamento de hipertensão do Centro Municipal de Saúde Ernesto Zeferino Tibau Jr, junto ao Campo de São Cristóvão. Segundo a diretora substituta do posto, Dulce Neves, sua última consulta com o clínico foi em dezembro passado e havia outra marcada para o próximo dia 16. Mas Neusa estava sendo acompanhada, tomava medicamentos e se consultava com outros médicos do posto.

¿ Além de hipertensa, ela era diabética e se tratava na psiquiatria devido a uma síndrome ansiosa. Ela vinha assiduamente ao posto, mas hoje não havia como prestar-lhe atendimento porque só abrimos às 7h. Quando os vigilantes perceberam que ela passava mal, por volta das 5h, chamaram os bombeiros, mas não deu tempo ¿ disse Dulce.

De acordo com vizinhos, Neusa vinha se queixando de dores e falta de ar.

¿ Na sexta-feira, ela reclamou de pressão alta e sugeri que procurasse um posto de saúde ¿ contou a auxiliar de enfermagem Maria José da Silva, vizinha de Neusa.

A autônoma, que fazia salgados e os vendia na entrada do Pavilhão de São Cristóvão, onde funciona o Centro de Tradições Nordestinas, foi levada ontem ao posto de saúde por um taxista. Já havia fila na calçada e Neusa se sentou no chão com falta de ar. A dona-de-casa Zélia de Fátima contou que, às 5h25m, ela piorou e passou a gritar por socorro:

¿ Paramos uma Kombi na rua para tentar levá-la ao Hospital Souza Aguiar, já que os bombeiros não chegavam, apesar de as pessoas estarem ligando desde 5h10m. O motorista se negou a levá-la, com medo de que ela morresse no caminho. Logo depois, a mulher caiu no chão e foi desfalecendo.

A assessoria de comunicação do Corpo de Bombeiros negou que tenha ocorrido demora no atendimento e alegou que houve demora no acionamento. Diferentemente do que funcionários do posto e as pessoas da fila disseram, os bombeiros informaram que foram chamados apenas às 6h01m e uma ambulância do quartel da Tijuca chegou ao local às 6h10m.

O corpo foi removido por um rabecão da Defesa Civil às 10h20m. Meia hora antes, Aparício Paulo da Silva desesperava-se ao encontrar o corpo da mulher no chão. Chorando muito, ele tirou a camisa e colocou sob a cabeça da companheira.

¿ Por que Deus não me levou no lugar dela? ¿ perguntou entre lágrimas.

Segundo Aparício, Neusa tinha vários problemas de saúde e já tinha tentado atendimento em outros hospitais, mas não conseguia, por isso acabava indo ao posto de saúde.

O vice-presidente da Comissão de Saúde da Câmara de Vereadores, Carlos Eduardo, afirmou que os postos de saúde do município não estão preparados para atender os pacientes. Segundo ele, existem postos que não têm médicos para tratar de doenças que normalmente atacam mais os idosos:

¿ Em Copacabana, que tem a maior população de idosos do Rio, o posto de saúde não tem geriatra, oftalmologista, e urologista. Isso mostra como não existe nenhum planejamento na política de saúde da cidade.

Ele acrescentou que no posto da Gávea, que atende 50 pessoas com tuberculose, há apenas um pneumologista.

COLABOROU Fábio Vasconcellos