Título: Argentinos reconhecem `fortes divergências¿
Autor: Eliane Oliveirae Cristiane Jungblut
Fonte: O Globo, 04/05/2005, O País, p. 11

Diante da polêmica desencadeada pela suposta decisão da Argentina de endurecer o relacionamento com o Brasil, importantes funcionários do governo Kirchner admitiram a existência de fortes divergências entre os dois países. Segundo o embaixador da Argentina em Washington, José Octavio Bordón, anfitrião de uma reunião entre embaixadores realizada fim de semana passado na capital americana a pedido do ministro das Relações Exteriores, Rafael Bielsa, as diferenças entre Brasil e Argentina abrangem questões comerciais, de investimentos e, sobretudo, de política externa. No entanto, assegurou ele, a intenção do presidente Néstor Kirchner é ¿trabalhar mais com o Brasil e não optar pela ruptura¿.

O misterioso encontro convocado por Bielsa foi realizado na residência de Bordón, em Washington. Além do embaixador nos EUA, participaram da reunião os embaixadores da Argentina no Brasil, Juan Pablo Lohlé, e na Organização de Estados Americanos (OEA), Rodolfo Gil, entre outros.

¿ O assunto Brasil ocupou um lugar importante porque trata-se de nosso principal vizinho, nosso principal sócio comercial, nosso amigo. Deve ter representado 20% da conversa, mas não foi o eixo da reunião ¿ comentou Bordón, por telefone.

Segundo o argentino, no encontro falou-se sobre as diferenças com o Brasil em relação ao comércio, aos investimentos e às políticas externas, que nem sempre são coincidentes.

¿ Mas de nenhuma maneira foi uma reunião para discutir uma estratégia anti-Brasil. Chegamos à conclusão de que é necessário trabalhar mais com o Brasil, ninguém pensa em ruptura ¿ disse Bordón.

Em declarações publicadas ontem pelo ¿Clarín¿, o chanceler argentino mencionou as divergências em relação à crise política no Equador. Na visão do governo argentino, o Brasil se precipitou ao enviar uma missão da Comunidade Sul-americana de Nações a Quito.

Em Buenos Aires, o subsecretário de Integração Econômica da chancelaria argentina, Eduardo Sigal, afirmou que seu país quer ser sócio do Brasil ¿mas não assinará mais contratos de adesão, como fazia o governo de Carlos Menem (1989-1999)¿.

¿ O que não faremos é dizer sim a tudo o que o Brasil quiser ¿ disse Sigal.

Amorim sugere que Brasil compre mais da Argentina

Em Paris, o chanceler brasileiro, Celso Amorim, partiu ontem em defesa dos argentinos dizendo que a melhor forma de encerrar o bate-boca entre os dois países é ajudá-los. Ele sugeriu que o Brasil compre mais trigo e petróleo dos argentinos para ¿equilibrar melhor¿ a balança comercial, que hoje favorece ao Brasil. Disse ainda que o BNDES deve emprestar mais dinheiro aos argentinos, e que o próprio governo deve contribuir, comprando produtos. Isso é exatamente o que reivindica o governo Kirchner.

¿ Estou interessado em ter cooperação com a Argentina. Não sei quem tem a ganhar com a divisão entre Brasil e Argentina: certamente, não somos nós!

Amorim respondeu diretamente à cobrança de Bielsa, que, em entrevista ao ¿Clarín¿, admitira abertamente tensões e dissera que Buenos Aires esperava do Brasil uma resposta à proposta de equilibrar o comércio e resolver ¿assimetrias econômicas¿. Sobre a idéia de o BNDES dar mais financiamento para argentinos, Amorim disse que há abertura no banco para isso, e que os argentinos devem esperar um ação neste sentido, mas avisou que leva tempo.

O desequilíbrio do comércio entre os dois países é um foco de irritação de Buenos Aires. Em 2004, as exportações brasileiras para a Argentina aumentaram 62%, batendo o recorde de US$ 7,4 bilhões no ano, enquanto os argentinos só exportaram US$ 4,6 bilhões para o Brasil. Isso enfraquece os defensores do Mercosul na Argentina, que durante anos usaram como argumento as vantagens comerciais.

O ministro só não foi suave sobre a queixa dos argentinos de excesso de protagonismo brasileiro na região:

¿ Temos um relacionamento estratégico com a Argentina. Mas o Brasil faz fronteira com dez países na América do Sul. Não é questão de querer liderar. Não posso renunciar a ter uma relação forte com outros países. Isso deve ser compreendido.