Título: `Argentina é um país muito orgulhoso¿
Autor: Eliane Oliveirae Cristiane Jungblut
Fonte: O Globo, 04/05/2005, O País, p. 11

Néstor Kirchner está repetindo um expediente argentino: produzir fato externo para justificar crises internas. A opinião é do historiador Amado Cervo, professor de História da Política Exterior do Brasil na Universidade de Brasília. ¿Como já aconteceu outra vez, para explicar uma crise interna eles produzem fatos externos, como aconteceu na Guerra das Malvinas¿, diz o professor, em entrevista ao GLOBO, na qual ressalta alguns dos momentos de sintonia dos dois países. Toni Marques

O senhor acredita que a nova crise entre os dois países seja séria?

AMADO CERVO: A Argentina não se conforma com o fato de ter se diminuído como nação diante do mundo. É um país muito orgulhoso. Já teve 3% do comércio mundial, mas experimenta sucessivas instabilidades institucionais, muito mais que o Brasil. E, como já aconteceu de outra vez, para explicar uma crise interna eles produzem fatos externos, como aconteceu na Guerra das Malvinas: o regime estava em crise, e produziu-se uma guerra. O atual presidente argentino, quando falou mal das pretensões brasileiras, estava falando para o povo argentino, e não para o povo brasileiro. É uma questão meramente eleitoral.

Então não é provável que a crise traga conseqüências danosas a um ou a ambos os países?

CERVO: O Brasil não deve dar ouvidos. Também não pode deixar a relação se deteriorar.

Houve momentos de alinhamento perfeito entre os dois países?

CERVO: Muitos. Houve a guerra entre Brasil e Argentina pela província Cisplatina (Uruguai), mas houve também o apoio do Brasil para a unificação das províncias argentinas, em 1860. A diplomacia brasileira deu todo o apoio à formação da república. Apesar de o Brasil ser então monarquia, dom Pedro II tinha muita afinidade com Sarmiento (Domingo Faustino, presidente de 1868 a 1874) e com Mitre (Bartolomeu, presidente de 1862 a 1868). Juscelino e Frondizi (Arturo, presidente de 1958 a 1962) trabalharam na chamada Operação Pan-Americana, de apoio dos Estados Unidos para o desenvolvimento da região. Note-se que o entendimento não é prerrogativa da democracia. O presidente Figueiredo rapidamente deu fim ao contencioso sobre o aproveitamento dos rios Itaipu e Corpus. Foi uma crise iniciada no governo Geisel que se exacerbou. Geisel rompeu o diálogo entre os dois países. Em 1980, as duas nações também se harmonizaram no tratado que deu fim à corrida nuclear.