Título: Brasil e Argentina: panos quentes, `pero no mucho´
Autor: Eliane Oliveirae Cristiane Jungblut
Fonte: O Globo, 04/05/2005, O País, p. 11

Em meio a uma crise política nas relações entre Brasil e Argentina, autoridades dos dois países trataram ontem de pôr panos quentes e de programar para o início da semana que vem um encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner para aparar arestas e cobrar explicações. Mas, apesar das tentativas de conciliação, o secretário argentino da Indústria, Miguel Peirano, afirmou que seu país ¿aplicará medidas unilaterais¿ para restringir a entrada de produtos provenientes do Brasil, caso empresários de ambos os países não cheguem a um entendimento para equilibrar o comércio bilateral.

Semana passada, Peirano ameaçara limitar a entrada de calçados brasileiros ao mercado argentino, implementando medidas protecionistas, nos moldes da estratégia adotada pela Argentina para proteger os fabricantes nacionais de eletrodomésticos.

Embora oficialmente minimize o conflito entre os dois países, o governo brasileiro tratou o assunto como prioridade. O presidente Lula reuniu-se com os ministros da coordenação de governo e membros do Itamaraty para analisar a situação. De manhã, o presidente recebeu um relato das relações bilaterais do secretário-geral das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães. Já o assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, conversou com o chefe de Gabinete de Ministros da Argentina, Alberto Fernández.

`Ciúme é coisa que acontece¿

À noite, Marco Aurélio reiterou que não há crise, mas afirmou que é preciso ter paciência e inteligência para tratar da situação, além de ¿aspirinas para eliminar dores de cabeça contingentes¿.

¿ Se seguirmos a lógica de esquentar o ambiente, vamos chegar a maus resultados. Aos bons resultados vamos chegar se tivermos paciência e inteligência para entendermos quais são os problemas e para oferecer tratamentos de longo prazo ¿ disse Marco Aurélio.

Ele disse que Lula tem encarado com naturalidade esses atritos e reafirmou que o Brasil tem todo o interesse na consolidação da América do Sul:

¿ O presidente Lula encara essas situações como normais. Elas têm que ser resolvidas dentro da necessidade de se encontrar iniciativas para fortalecer o Mercosul.

Marco Aurélio foi irônico ao ser perguntado se não se tratava de ciúme do governo argentino em relação à política externa brasileira. A Argentina reclama que o Brasil tem disputado vários cargos internacionais e adotado uma posição de líder dentro da região.

¿ Ciúme é coisa que acontece em relações amorosas, e dor-de-cotovelo só existe em samba-canção e tango. São sentimentos humanos e até compreensíveis, mas que não dominam. Queremos consolidar o Mercosul e vamos fazer isso num clima de tranqüilidade. A criação da Comunidade Sul-Americana de Nações não enterra o Mercosul, como alguns dizem ¿ disse.

O assessor disse ainda que a relação do Brasil com a Argentina é fundamental do ponto de vista bilateral e sul-americano, mas admitiu que há contenciosos e que ¿bombas têm sido desmontadas a tempo¿.

¿ Tem havido muito ruído e há setores que estão, sim, dentro dos dois países, interessados em que a relação Brasil-Argentina não caminhe. E por quê? Porque unidos jamais serão vencidos ¿ disse Marco Aurélio, provocando risos.