Título: 'SE FOSSEM SÓ CIDADÃOS, O GOVERNO JÁ TERIA AGIDO'
Autor: Janaína Figueiredo
Fonte: O Globo, 30/04/2005, O País, p. 13

Dirceu: governo negocia em reserva porque 'envolve índios'

MONTEVIDÉU E BRASÍLIA. O chefe da Casa Civil, José Dirceu, afirmou ontem que o governo Lula não cederá em sua decisão de demarcar a reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, em terras contínuas, e garantiu que a lei será cumprida. Ele disse que é inadmissível a existência de reféns e afirmou que o governo só está negociando porque o caso "envolve índios".

- Se fossem só cidadãos o governo já teria agido - disse. -- Fazer reféns? Não podemos aceitar isso no Brasil. Vai ter uma solução pacífica, com certeza .

Ontem, um grupo de macuxis chefiado pelo presidente da Sociedade de Defesa dos Índios Unidos de Roraima (Sodiur), José Novaes, foi levado num helicóptero do Exército na tarde de ontem para a aldeia Flechal, onde quatro policiais federais estão sendo mantidos reféns há oito dias.

Governo promete investir R$58 milhões em reserva

Segundo o superintendente da Polícia Federal, Francisco Mallman, os líderes da Sodiur prometeram pedir aos chefes da aldeia Flechal para soltar os policiais e reabrir as negociações sobre as medidas complementares à demarcação da reserva.

Os índios da Sodiur fizeram o primeiro recuo desde o início da crise, um dia depois do vazamento das informações sobre a Operação José do Egito, que a PF está planejando para resgatar, com o apoio do Exército, os policiais seqüestrados.

O governo federal pede que os índios soltem os policiais e suspendam os atos de sabotagem contra a homologação da reserva em terras contínuas. Em troca, promete investir mais de R$58 milhões em projetos de agropecuária dentro da reserva.

- Acho que de hoje (ontem) até amanhã eles vão soltar os policiais - disse Mallman.

Ontem, cerca de 200 índios de diferentes etnias, de várias partes do país, fizeram uma pajelança na Praça dos Três Poderes. O ato encerrou uma semana de protestos em Brasília para reivindicar a demarcação de 14 terras indígenas e a criação de um conselho nacional para coordenar a política indigenista.

Carregando chocalhos, lanças, arcos e flechas, eles foram até a frente do Supremo Tribunal Federal, onde dançaram, cantaram e rezaram. Debaixo da escultura que representa a Justiça, queimaram e alvejaram com flechas e lanças um boneco que representava o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), acusado pelos índios de "inimigo número um da causa indígena". O senador é autor de propostas em tramitação no Congresso que prevêem que demarcações de terras indígenas teriam que passar pelo crivo do Senado. Hoje, as demarcações dependem apenas do Poder Executivo.