Título: O descompasso da riqueza
Autor: Flávia Oliveira e Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 04/05/2005, Economia, p. 25

Na primeira vez em que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dividiu a produção de riqueza do país por seus mais de cinco mil municípios, o resultado foi desigualdade. Em parceria com os órgãos oficiais de 26 estados (só Tocantins ficou de fora), o IBGE calculou o Produto Interno Bruto (PIB) das 5.560 cidades existentes em 2001. Descobriu que apenas nove delas (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Manaus, Belo Horizonte, Duque de Caxias, Curitiba, Guarulhos e São José dos Campos) concentram um quarto da produção nacional de bens e serviços. Setenta detêm 50% do PIB. No extremo oposto, estão 1.272 localidades onde toda a riqueza somada alcança 1% do PIB do Brasil, que em 2002 foi de R$ 1,346 trilhão.

¿ Um dos dados mais marcantes foi a desigualdade: 70 cidades agregam metade do PIB. Este número foi uma surpresa, mas a ponta inferior foi ainda mais inesperada: mil municípios com 1% do PIB ¿ diz Sheila Zani, coordenadora do PIB Municipal.

De 1999 a 2002, a concentração de riqueza caiu pouquíssimo. Naquele ano, sete cidades (todas capitais) produziam 25% do PIB. Desde então, Porto Alegre (hoje décima do ranking ) deixou o grupo das mais ricas, que passou a abrigar a fluminense Duque de Caxias, puxada pelo setor petrolífero, e as paulistas Guarulhos e São José dos Campos. Hoje, nos nove maiores PIBs vivem 15,2% da população; nos 70 maiores, um terço. Nas 27 capitais, 30% do PIB é produzido.

Desigualdade é maior no Sudeste

Numa estrutura social completamente homogênea, 1% dos municípios teria 1% do PIB e abrigaria 1% da população, diz Sheila. No Brasil, 556 cidades (as 10% mais ricas) têm PIB 19,9 vezes superior ao da metade mais pobre (2.780 localidades), contra 20,9 em 1999. A desigualdade persiste nas diferentes regiões do país: é maior no Sudeste (onde os 10% mais ricos produzem 29,8 vezes mais que os pobres) e menor no Sul (onde a razão é 9,2).

¿ A concentração de riqueza diminuiu pouco porque não houve nenhuma política explícita para reduzí-la entre 1999 e 2002. Ao longo dos anos 90, o país viveu uma desconcentração concentrada. Atividades produtivas migraram das capitais para o interior, mas sempre dentro do mesmo estado ou, no máximo, nas mesmas regiões ¿ analisa Mansueto Almeida, da Diretoria de Estudos Regionais e Urbanos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

A pesquisa exibe o imenso abismo das cidades. De um lado, gigantes como São Paulo e Rio de Janeiro, ostentam vigor econômico em PIBs de R$ 140,066 bilhões e R$ 62,862 bilhões, respectivamente. Mesmo tendo perdido participação na riqueza nacional, as duas capitais em 2002 ainda somavam 15,1% do PIB, contra 17,2% em 1999. No fim do ranking está São Félix do Tocantins (TO), onde a produção de riqueza em 2002 foi de apenas R$ 1,9 milhão. Somadas, as cinco cidades com os menores PIB representam 0,001% da produção nacional.

¿ A desigualdade tem uma explicação histórica. É assim desde a abertura dos portos (no Rio de Janeiro) e do surgimento da economia cafeeira em São Paulo no século XIX ¿ diz o economista Sérgio Besserman, ex-presidente do IBGE e hoje diretor do Instituto Pereira Passos (IPP).

Petróleo elevou renda `per capita¿

A pesquisa também revelou o impacto da indústria do petróleo e seus derivados nas economias locais. Apenas em 2002, os municípios brasileiros receberam em royalties R$ 1,070 bilhão, equivalente a toda a riqueza produzida em Boa Vista (RR) no mesmo ano. O petróleo levou aos seis dígitos a renda per capita de meia dúzia de cidades. À frente delas estão São Francisco do Conde (BA), cuja renda per capita, de R$ 273.140, é a mais alta do país, e Triunfo (RS), onde cada habitante produz R$ 163.348.

O IBGE diz que indústria e serviços são as atividades mais concentradas do país. Nove cidades detêm 25% do PIB industrial e 55 ficam com metade da produção do setor. Nos serviços, só São Paulo e Rio somam 20% do PIB. E na agropecuária, 25% da produção se distribuiu por 165 cidades ¿ em 1999, eram 203.