Título: Assombração iraquiana
Autor: Fernando Duarte
Fonte: O Globo, 04/05/2005, O Mundo, p. 34
Ainda que sua vitória na eleição geral de amanhã pareça cada vez mais certa, o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, recebeu ontem mais uma garantia de que a decisão mais polêmica de seus oito anos de governo vai continuar assombrando-o num eventual terceiro mandato. Dez famílias de soldados do país mortos na ocupação do Iraque anunciaram que vão entrar na Justiça para garantir a realização de um inquérito público sobre a participação do Reino Unido na invasão comandada pelos Estados Unidos.
Um embaraço que se junta às declarações da mulher de um soldado morto na última segunda-feira num atentado em Bagdá, culpando Blair pela morte do marido.
¿ Sinto que Tony Blair mentiu para nós e só nos levou à guerra para cimentar seu lugar na História ¿ disparou Ann Toward, viúva do soldado Anthony Wakefield, o 83 militar britânico morto no Iraque.
Embora as pesquisas de opinião indiquem que o premier conseguirá resistir aos imensos danos provocados pela decisão de invadir o Iraque ¿ a pesquisa mais recente, feita a pedido do jornal ¿Financial Times¿, mostrou ontem uma vantagem de 10 pontos percentuais do governista Partido Trabalhista sobre o Conservador ¿, Blair e seus aliados temem que a questão da guerra possa provocar o voto de protesto nos liberais-democratas. Este é o único dos grandes partidos que não apoiaram a derrubada de Saddam Hussein. Outro temor é que os eleitores simplesmente se abstenham de votar, uma possibilidade que analistas eleitorais consideram ser vantajosa para os conservadores.
Premier quer minar liberal-democratas
Sendo assim, os trabalhistas se empenharam em tentar fechar as possíveis brechas abertas pela guerra entre o eleitorado mais à esquerda. Numa carta publicada no jornal ¿The Independent¿, Blair afirmou acreditar que a decisão de invadir o Iraque fora tomada ¿no melhor interesse do país, da região e do mundo¿. O premier fez um alerta contra o voto nos liberais-democratas, o que, segundo ele, pode levar os conservadores de volta ao governo ¿pela porta de trás¿.
O ministro das Finanças, Gordon Brown, saiu em defesa do primeiro-ministro numa entrevista à BBC argumentando na mesma linha. Brown, o maior rival de Blair no Partido Trabalhista e considerado pelas alas mais rebeldes o nome ideal para ocupar o cargo de premier, parece ter deixado suas pretensões políticas mais ambiciosas de lado em favor de uma unificação dos esforços eleitorais da legenda. Até porque o fato de a campanha trabalhista enfatizar a bem-sucedida política econômica do governo Blair é propaganda para Brown.
E se prejudicou a imagem pessoal do primeiro-ministro, o Iraque ainda não é considerado pelos britânicos um assunto fundamental na eleição, tendo aparecido longe dos primeiros lugares nas enquetes sobre preocupações específicas do eleitorado. Blair, no entanto, tem tentado desviar a atenção da mídia para outros assuntos, como a imigração (já prometeu um pacote de leis restringindo a entrada de estrangeiros) e a previdência social, oferecendo planos de pensão e benefícios para donas-de-casa.
¿ Nossos adversários estão falando muito sobre o Iraque porque não têm nada mais a dizer sobre assuntos que realmente vão determinar o futuro deste país ¿ atacou Blair.
Se confirmadas as tendências apontadas pelas pesquisas, os analistas especulam que um dos primeiros passos de Blair em seu terceiro mandato será fazer uma reforma ministerial. Uma das possíveis mudanças no Gabinete seria a criação do Ministério para a Europa.