Título: Entrevista
Autor: Ricardo Berzoini
Fonte: O Globo, 02/05/2005, Economia, p. 15
O desemprego voltou a crescer, a inflação não cede. O trabalhador tem algo a comemorar? RICARDO BERZOINI: Quem ganha R$300 não pode estar satisfeito, mas o salário-mínimo teve aumento real de 8,5% este ano e a massa salarial em São Paulo, segundo a Fiesp, cresceu 10,3% no primeiro trimestre. O Dieese mostra que, no início do governo, o mínimo comprava 1,3 cesta básica e agora compra 1,94. Há hoje maior controle da inflação e perspectiva de recuperação salarial. Em 2004, 60% das categorias obtiveram reajustes acima da inflação, o melhor resultado em 14 anos. Temos que comemorar a mudança na tendência do mercado de trabalho, que foi fortemente desempregador no passado e neste governo gerou 2,5 milhões de empregos formais. Mas não podemos ter ilusão de achar tudo maravilhoso. O nosso esforço será dar sustentabilidade a ele. O juro alto não atrapalha o trabalhador?BERZOINI: Atrapalha a vida de todos, só não atrapalha o rentista que tem muito dinheiro e pode usufruir desse juro. Mas não podemos fazer drama em cima dos juros, mas trabalhar com a perspectiva de que, embora a situação atual não seja a desejável, não é bom que a inflação volte a comer a renda do trabalhador.A elevação da Selic, há duas semanas, surpreendeu o mercado. Qual foi a reação no governo?BERZOINI: Surpreendeu boa parte do governo também. Havia uma avaliação geral de que o ciclo de alta havia chegado ao fim. Se o Ministério do Trabalho fizesse parte do Conselho Monetário Nacional (CMN), eu defenderia que a meta de inflação de 5,1% para este ano é irreal, tendo em vista o preço do petróleo, a inércia inflacionária das tarifas indexadas ao IGP, algumas commodities, como minério de ferro e aço, que vão impactar a inflação. Talvez seja o caso de pensar que 5,1% para esse ano não dá, mas que num prazo mais dilatado seja possível. Acho que não teria nenhum problema político ou econômico de o CMN rever a meta. O senhor defende a participação do seu ministério no CMN?BERZOINI: Defendo a ampliação do conselho e a participação do ministério, que é uma vertente importante não apenas pelo tema com o qual lida, mas porque tem dois fundos importantes, o FGTS e o FAT. Acho que a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), definida pelo conselho, pode ser reduzida já. Ela já está em 9,75% e não há porque ser maior do que a inflação. O Brasil precisa de investimentos e a principal fonte são os recursos do FAT, remunerados pela TJLP. O fato de o CMN só ter três membros, e todos da aérea econômica, faz com que o governo perca o foco da relação da política econômica com a demais metas do país. A taxa de juros alta cria constrangimento à execução orçamentária; força um contingenciamento maior, com menor disponibilidade de recursos para as políticas.Essa discussão já começou dentro do governo?BERZOINI: Esse é um debate que compete à área econômica. Mas já há pessoas como o senador Aloízio Mercadante (PT) e o vice-presidente José Alencar que acham que a realidade mostra que a meta é muito apertada e leva o BC a exagerar nos juros.O presidente admitiu que a taxa de juros é insuficiente para combater a inflação. Que opções haveria?BERZOINI: Uma alternativa seria dosar a meta de acordo com a realidade e não ficar correndo atrás da inflação, ajustando-a. Isso é tentar segurar o alvo da direção da flecha. Devemos trabalhar com a idéia de que qualquer meta possa ser ajustada ao longo do ano à realidade. Isso já funciona com a Receita: se a arrecadação está maior, o governo pode flexibilizar a política tributária e de gastos. Não vejo como não agir assim com a inflação, principalmente num ano como este, com a pressão do petróleo, do aço e do ferro. Embora haja redução da tendência de alta do desemprego, o problema continua atingindo os jovens. O Primeiro Emprego não decolou?BERZOINI: A subvenção econômica não avançou porque depende da decisão empresarial. E muitas empresas que se candidataram não puderam receber o dinheiro porque não estão em dia com as obrigações tributárias e previdenciárias. Mas o programa emprega jovens pelo lado da responsabilidade social, onde não há incentivo: muitas empresas não querem se submeter a qualquer relação com o ministério. Treinamos este ano 50 mil jovens, pelos consórcios. No empreendedorismo, já apoiamos oito mil jovens. É claro que, quanto à subvenção, não estamos satisfeitos: foram empregados três mil jovens para a meta de 250 mil até o fim do governo. Já avaliamos que o programa não tem condições de chegar à meta, então deslocamos recursos para qualificação e empreendedorismo. O governo esperava tanta resistência à reforma sindical no Congresso?BERZOINI: Sou realista e sei do custo de se aprovar uma emenda constitucional no Congresso. Trabalho, silenciosamente, conversando com empresários e trabalhadores que têm resistências para descobrir com precisão os obstáculos. A tramitação é viável.E a reforma trabalhista?BERZOINI: Esse é um tema muito polêmico e que tem um apelo muito grande, mas o país não tem no custo do trabalho um dos principais limites ao crescimento. Não podemos fazer da reforma trabalhista um fetiche, como se fosse algo capaz de resolver todos os problemas. O que temos é uma sobrecarga na folha, que não é algo trabalhista, é tributário, como o financiamento da previdência, que representa 22%, mais 8,5% do FGTS e as contribuições do próprio Sistema S.