Título: A MELHOR IDADE E A TECNOLOGIA: CASO DE UM AMOR MADURO
Autor: Elis Monteiro
Fonte: O Globo, 02/05/2005, Informática, p. 3

Cresce participação dos idosos brasileiros no ciberespaço

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice? Teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança.

No trechinho da poesia do mestre Carlos Drummond de Andrade, a pergunta que não se cala: o que é chegar à terceira idade? Para muitos, um fardo; para outros, uma dádiva. Seja como for, é fato que a humanidade vem envelhecendo. A reboque, velhos preconceitos e medos fenecem. Assim foi com a relação computador/terceira idade. Antes um estranho medonho, agora o micro tem ajudado os idosos a derrotarem a solidão e a experimentar a cidadania.

Comerciária aposentada, Nilza de Magalhães Trino, de 75 anos, acabou de se matricular no curso de informática para a terceira idade do Museu da República, no Rio. Viúva há poucos meses, ela está aprendendo a conviver com a solidão. Nesta busca, vê na informática uma aliada.

¿ Vim aprender informática para ocupar o meu tempo.

Combater a solidão também foi a intenção de Ginete Santana Teixeira, de 63 anos, colega de turma de Nilza. Nos dois casos, o curso de informática serviu como desculpa para fazer novos amigos.

Já Maria de Lourdes Cerqueira Muinös, de 76 anos, quer conhecer os museus do mundo, nem que seja virtualmente, e já faz planos de escrever um livro de memórias e poesias. Máquina de escrever? Nem pensar. Computador, sim.

Participação dos idosos na internet tem crescido

As três amigas começam a experimentar o gostinho da inclusão digital. É que a participação dos idosos no ciberespaço tem aumentado de uns anos para cá. Segundo o Ibope, embora ainda perca para as outras faixas etárias na porcentagem de acesso, o contingente de maiores de 65 anos acessa a web quase o mesmo número de vezes por mês que ¿jovens¿ de 18 anos. Seja para acessar o banco, buscar informações, lotar salas de bate-papo ou escrever em blogs, foi-se o tempo em que a distração da avó era tricotar e, a do avó, jogar baralho com amigos na pracinha.

A mudança no relacionamento deve-se não só à sedução da tecnologia, mas ao aumento da expectativa e à melhoria da qualidade de vida na velhice. Hoje, fazer planos para o futuro não é privilégio dos otimistas.

¿ Muitos idosos hoje estão em busca de atividades e de valorização de si como pessoas. Eles superam a concepção de que idoso não tem nada para fazer, que só tem que descansar, etc ¿ diz Arianne Staszko, professora de informática para a terceira idade do Comitê para a Democratização da Informática (CDI) do Paraná.

Para Arianne, o idoso tem demonstrado interesse pela tecnologia porque ela está tão impregnada no cotidiano que seria impossível evitá-la.

¿ O caixa eletrônico, o telefone celular, alguns eletrodomésticos e outros utensílios de uso diário já estão usando em seu funcionamentos mecanismos da microeletrônica ¿ diz. ¿ Pelas palavras de muitos, participar do curso de informática e cidadania é renovar-se para a vida e descobrir sua importância na sociedade.

Vida virtual muito além das fotos dos netinhos

Não só de foto de família e email dos netinhos se faz a vida internáutica da terceira idade. No Orkut, por exemplo, dezenas de comunidades voltadas à melhor idade congregam festeiros de marca maior. Lá, a vida social é tão agitada quanto a de qualquer jovem.

Aos 78 anos, Magaly Campelo Magalhães está no Orkut e a lista de 52 amigos reúne muito mais que filhos e netos: Magaly é uma espécie de celebridade na comunidade blogueira e ela própria alimenta um diário virtual eupensando. blogspot.com>. A quem ainda tem medo de mergulhar no ciberespaço, ela aconselha:

¿ Eu diria que se desarmem, que encarem a fobia como um desafio, que qualquer pessoa pode enfrentar esse tipo de aprendizagem como um jogo de paciência: é só se dispor a atravessar a fase inicial. Aí vem a curiosidade, a vontade de dominar a máquina, de sobrepor-se a ela. E a paixão desponta fagueira ¿ diz Magaly. ¿ O computador operou em mim uma verdadeira transformação. Hoje sou mais alegre, mais confiante, mais doadora, mais aberta à opinião dos outros. Para mim, que tenho uma vida meio reclusa, a internet é uma janela aberta para o exterior.

Outro que tem uma movimentada vida virtual é Placidino Brigagão, presidente da Academia Brasileira de Odontologia, hoje com 76 anos e fôlego de 15, que faz questão de dividir com os amigos. Brigagão é um dos professores de informática do Museu da República e ainda programa sites.

Diante do exemplo, quem quiser aprender informática e não pode contar com a paciência de filhos e netos, procurar um curso é uma alternativa. Disposta a conquistar este mercado em ascensão, a maioria dos cursos oferece módulos específicos para a terceira idade, que vão do trivial simples ao nível avançado.

¿ O idoso hoje é mais dinâmico e já percebeu que precisa acompanhar os acontecimentos da sociedade. Na verdade, nem me lembro que tenho 76 anos ¿ diz Brigagão.