Título: VISÃO PARCIAL
Autor: ALOYSIO SANTOS
Fonte: O Globo, 02/05/2005, Opinião, p. 6
Com a grave missão de preparar um relatório sobre a situação do Poder Judiciário brasileiro, o professor Leandro Despouy visitou, entre os dias 13 e 25 de outubro do ano passado, as cidades de Porto Alegre, São Paulo, Recife, Belém e Brasília, onde conversou com autoridades judiciárias e líderes de instituições e presidentes de organizações envolvidos, direta ou indiretamente, no mister de distribuir justiça no país (houve em torno de 60 reuniões de serviço e foram entrevistadas cerca de 500 pessoas).
Justificou a vinda ao Brasil de um representante da Comissão de Direitos Humanos da ONU um convite feito pelo governo àquele organismo, diz o relatório, bem como a sugestão da relatora Asma Jahangir, que tinha estado entre nós em 2003, pesquisando as execuções sumárias, nos moldes dos esquadrões da morte.
O documento elaborado pelo professor Despouy sobre os direitos civis e políticos no Brasil, enfocando em particular as questões da independência dos juízes, a administração da justiça e a impunidade, a despeito de interessante e bem elaborado, decepcionou, porque o seu trabalho criara em mim expectativa de um diagnóstico profundo, denso e abrangente. Mas acabou frustrando-me, por duas razões: a primeira, a sucessão de verdades acacianas que o texto recém-divulgado contém, e outra, a imperdoável exclusão da Justiça do Trabalho.
Esta Justiça Federal ¿ que é ramo do Poder Judiciário desde a Constituição de 1946 ¿ tem-se esforçado para atender às demandas laborais que se multiplicaram após a Constituição de 1988, com a opção dos constituintes pelo princípio da ¿justiça para todos¿, reivindicação dos processualistas no final dos anos 60 e início dos 70 para tornar a Justiça acessível ao maior número possível de cidadãos. E, a não ser pela sua especialização, nada justifica a omissão no relatório, salvo se ela estiver atendendo plenamente às necessidades dos que exigem a tutela jurisdicional, hipótese que o bom-senso não permite aceitar.
Como argentino, o professor Despouy deveria saber que, lá como cá, existem tribunais do Trabalho, que têm a seu cargo administrar a Justiça especializada em todo o território nacional. Por isso, o parecer apresentado à Comissão de Direitos Humanos deve ser considerado insuficiente. Como há a possibilidade de o relatório ser complementado, subsiste a esperança de que o professor o faça, a fim de que o documento seja completo e não apenas parcial sobre o Poder Judiciário do Brasil.
ALOYSIO SANTOS é desembargador da Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro.