Título: COM APOIO DO FMI, O EQUADOR CRIOU O SEU INFERNO
Autor: EDUARDO DUHALDE
Fonte: O Globo, 02/05/2005, Opinião, p. 7

No final de 2002 recebi Lucio Gutiérrez; tinha sido eleito e ainda não tinha assumido. Solicitou-me que mantivéssemos uma conversa a sós e caminhamos longamente pelos jardins da residência presidencial de Olivos. A conversa se limitou ao que ele chamou ¿a armadilha na que se encontra Equador¿: a dolarização. Disse-me que, como aconteceu na Argentina, os equatorianos temiam sair da mesma e não percebiam que era a causa dos problemas.

Haviam trocado a moeda ¿ o sucre ¿ pelo dólar e viveram um momento de euforia: o preço do petróleo se recuperou e a emigração, com suas remessas, passou a ser a segunda fonte de divisas (de 200 milhões de dólares em 1993 a 1.500 milhões de dólares em 2003).

A dolarização não foi uma estratégia a longo prazo; ao contrário, assim como a convertibilidade na Argentina, adotou-se como uma medida contingente para evitar a hiperinflação. No entanto, o país teve altíssimas taxas inflacionárias, apesar da eliminação da emissão. Gutiérrez me relatava alguns dados inquietantes: no mesmo ano 2000 a inflação chegou a 91% (em dólares!), a 22% em 2001, a 9% em 2002.

Um ano depois daquela conversa, eu visitei Gutiérrez. A conjuntura equatoriana tinha se agravado. Os industriais indicavam que a inflação tinha eliminado as vantagens que tinham os exportadores, que a competitividade e o aumento das importações de bens de consumo mostravam os efeitos desfavoráveis da dolarização. Não havia financiamento para a produção. O crédito era 50% inferior com relação a 1998.

A maior parte dos ingressos devia ser destinada à dívida externa: de cada 10 barris de petróleo que o Equador vendia, 6 se destinavam ao seu cancelamento. Isso significava ajustes nos gastos sociais, cujo montante chegou a ser menor que os valores dos anos 80.

Era previsível que esse modelo econômico ameaçasse implodir e que isso deixasse os equatorianos à beira da guerra civil. A fragilidade da democracia, a debilitação das instituições e o descrédito da política igualavam o panorama com a Argentina do desmoronamento.

Agora, os analistas mencionam as questões institucionais equatorianas e evitam falar da inviabilidade de um modelo concentrado e destruidor da indústria que desataria a tragédia.

A Argentina pôde sair da convertibilidade e encontrou um novo paradigma econômico que lhe permitiu crescer. No seu último relatório, o FMI argumenta que ¿a força da recuperação regional continuou excedendo expectativas¿ a região cresceu em 2004 a 5,7%, o maior crescimento desde 1980¿ e destaca o desempenho argentino. Tardio reconhecimento a um país que teve de suportar, além do caos, a pressão e os desatinos desse organismo.

O Equador deverá resolver seus conflitos e encontrar um modelo para sair do seu inferno. Seu novo ministro de Economia, Rafael Correa, qualifica a dolarização, apoiada pelo FMI, como ¿o maior erro em política econômica¿ porque deixou o país sem moeda como ¿um boxeador sobre o ringue sem um dos braços¿.

Nós, os sul-americanos, devemos ajudar os equatorianos no que eles nos peçam. Ao mesmo tempo, o FMI deveria reconhecer seus erros do passado e apoiar a busca de esquemas alternativos que permitam ao Equador recuperar a paz, as instituições e o rumo do crescimento.

EDUARDO DUHALDE foi presidente da Argentina (de 1º de janeiro de 2002 a 25 de maio de 2003) e é presidente da Comissão de Representantes do Mercosul.