Título: PF no rastro do dinheiro que chega dos EUA
Autor: Chico Otavio
Fonte: O Globo, 02/05/2005, O País, p. 8

Doleiro é investigado por suspeita de fazer transferências ilegais por meio de suas empresas nos dois países

A Polícia Federal abriu inquérito para investigar se remessas feitas por imigrantes brasileiros nos Estados Unidos estão ingressando no Brasil de forma ilegal. O principal suspeito é o doleiro americano naturalizado brasileiro Donald Anthonhy Henning Sutton, acusado de manter uma rede suspeita de casas de câmbio no Rio de Janeiro e nos Estados Unidos.

Na semana passada, a PF apreendeu cheques e cópias de cheques no valor total de US$2 milhões, além de R$120 mil, US$25 mil e computadores em duas das casas de câmbio de Sutton, em Copacabana. Para os investigadores, os brasileiros recorrem ao doleiro para fugir das altas taxas cobradas pelo sistema oficial de transferência internacional de recursos. Reportagem do GLOBO mostrou ontem que brasileiros pagam até US$10 mil para entrar nos EUA.

EUA descobriram o esquema

As investigações foram iniciadas nos Estados Unidos. O Departamento de Segurança Interna, órgão criado pelo governo americano depois do 11 de setembro, descobriu que empresas ligadas a Sutton na Flórida remetiam para o Brasil um volume alto de dinheiro de imigrantes brasileiros. Alertada pelo setor de investigações de imigração e aduana do departamento americano, a Polícia Federal começou a vigiar a movimentação do doleiro no Brasil.

Na quarta-feira, com uma ordem judicial expedida pela juíza Ana Paula Mathias, da 5ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro, uma equipe da Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros da PF do Rio cumpriu mandados de busca e apreensão em quatro endereços no Rio: a casa do doleiro, na Barra, seus dois escritórios, em Copacabana, e a casa da mãe de Sutton.

O delegado Carlos Henrique Oliveira de Sousa, responsável pelo inquérito, disse que a Justiça Federal também autorizou o bloqueio de todos os ativos e bens de Sutton, da mulher do doleiro e de sua mãe.

No Brasil, fazem parte da suposta rede de remessa ilegal as empresas Brooklyn Investimentos, Participações e Negócios Ltda, Bureau Turístico de Serviços Internacionais Ltda (Turiser), Futuro Factoring e Currency Exchange Câmbio, Viagens e Turismo Ltda. Já nos Estados Unidos, o esquema contaria com as firmas Startrading Corporation, Gradual Remittance, EUA Business Financial, Flash Remittance, World Cash Incorporation, Intertransfer e UNO Remittance, a maioria delas localizada em Orlando.

Carlos Henrique disse que as transações financeiras, que envolveram também remessas ilegais do Brasil para os Estados Unidos, foram feitas por operações a cabo, para fugir do controle oficial.

Operações fora da rede bancária

As transferências a cabo feitas por doleiros não envolvem a rede bancária oficial. Elas obedecem um sistema paralelo, no qual quantidades de dinheiro são trocadas pelas casas de câmbio em negociações telefônicas ou eletrônicas. Muitas vezes, não há transferência física dos valores. Os doleiros trabalham com cheques ao portador e os recebem de um cliente e repassam para outro, dependendo do negócio acertado com a casa de câmbio na outra ponta do sistema. Tais operações se tornaram possíveis desde a invenção do telégrafo, quando o remetente pode comunicar a distância a quantidade de dinheiro a ser dada a outra pessoa, razão pela qual passaram a ser chamadas de transferências a cabo.

Para funcionar bem, é preciso que as casas de câmbio das duas pontas do esquema movimentem um alto volume de recursos. O delegado Antônio Elias Ordacgy, chefe da Delegacia de Repressão aos Crimes Financeiros (Delefin) no Rio, disse que o negócio de Sutton também é remeter dinheiro ilegalmente de clientes no Brasil para os Estados Unidos.

¿ A remessa ilegal de dinheiro dos EUA para o Brasil não é um problema que preocupa apenas as autoridades americanas. Estas operações a cabo só se tornam possíveis quando há também dinheiro, na mesma quantidade, para ser enviado daqui para lá. De certa forma, os recursos empenhados pela comunidade brasileira do esquema de Sutton estão servindo para o esquema de lavagem no Brasil, pois estão fazendo caixa nos EUA para as operações casadas ¿ explicou.

A maior parte dos brasileiros que trabalham no exterior, muitos em situação ilegal, são considerados imigrantes econômicos por especialistas porque o seu objetivo é economizar o máximo possível para melhorar seu padrão de vida no Brasil. Esse perfil faz com que o imigrante brasileiro procure as formas mais baratas de enviar suas economias para casa.

Relatório produzido pelo Global Development Finance, do Banco Mundial (Bird), em 2002, relevou que as remessas dos imigrantes, que enviam parte de seus salários para seus países de origem, já são a segunda maior fonte de financiamento das contas externas dos países em desenvolvimento. Em 2001, elas superaram as captações privadas, só ficando atrás dos investimentos estrangeiros diretos.

Remessas de US$80 bilhões

No ano passado, as remessas alcançaram US$80 bilhões, contra investimentos diretos de US$143 bilhões. O estudo não chegou a dar números detalhados para o Brasil, mas revelou que as remessas de brasileiros para seus familiares atingiram US$1,5 bilhão dos US$75 bilhões registrados em 2001. Índia e México são os dois maiores receptores desses recursos, com US$10 bilhões e US$9,9 bilhões, respectivamente.

No caso do suposto esquema de Sutton, a PF já colheu provas de que o doleiro enviava dinheiro dos EUA também para Uruguai e Paraguai. As investigações também revelam que o doleiro tinha como sócias pessoas indiciadas na operação Farol da Colina (que mobilizou no ano passado cerca de 800 agentes federais em todo o país numa ação de combate a crimes financeiros, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha).

A operação de busca e apreensão, na quarta-feira passada, foi acompanhada por três agentes do Departamento de Segurança Interna dos EUA e um adido de segurança da Embaixada americana. Segundo a PF, no dia da operação, Sutton não estava no Brasil.