Título: Todos no palanque
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 05/05/2005, O Globo, p. 2

A brincadeira política de ontem foi a do chicotinho queimado, velho jogo infantil cuja regra é confundir os participantes com indicações falsas sobre o local do objeto procurado. Todos condenaram a antecipação do debate sucessório. Quase todos fizeram treinamento eleitoral, destacando-se o PSDB, que montou palanque para afinar o discurso a ser usado em 2006

Também o PMDB fez sua jogada, fazendo uma advertência ao governo ao aprovar a prorrogação do mandato da atual direção, comandada pelo oposicionista Michel Temer. Em resumo, disseram a Lula: se é para ter aliança, a conversa terá que ser com todos, não apenas com a ala governista do partido.

A entrevista coletiva do presidente Lula, na sexta-feira passada, ao dar um esboço do candidato que se apresentará em 2006, certamente aumentou os comichões eleitorais de adversários e aliados. O ex-presidente Fernando Henrique começou seu discurso na festa tucana para celebrar os cinco anos da Lei de Responsabilidade Fiscal dizendo que ao invés de saudosismo, sentia o ¿comichão do futuro¿. E deu o tom, ao lembrar que petistas ilustres, entre eles Palocci, votaram contra a lei.

O governo mordeu a isca dos tucanos, ao valorizar o tema lançado por eles, fazendo sua própria celebração do aniversário da lei. No Senado, o líder do governo, Aloizio Mercadante, passou a tarde enfrentando a artilharia tucano-pefelista, liderada por Tasso Jereissati, Arthur Virgílio e José Agripino, embalada pelo discurso de FH. À cobrança do pecado do passado, reagiu mostrando o déficit primário do primeiro mandato de FH, o crescimento espetacular da dívida, apesar das privatizações, e o salto da carga tributária. Vieram as réplicas contra a atual política de juros.

Mas o grande orador do dia foi mesmo Fernando Henrique, que se apresentou em excelente forma. Com a fala fluente de sempre, esfaqueou os adversários com jorros de mordacidade temperada por falsa indulgência. Não será candidato, voltou a garantir, incitando a escolha de um dos presentes para apontar ¿um caminho novo¿ ao país. E antecipou-se ao debate que haveria no Senado, justificando a austeridade cobrada de seu primeiro mandato como conseqüência do descalabro financeiro que herdou. Posta a inflação sob controle, era preciso criar os instrumentos, preparar o país para a nova cultura fiscal.

De concreto, a festa tucana apontou três linhas do discurso de campanha: crítica aos juros de Lula, à crise na área de segurança e pregação da reforma política. O prefeito José Serra, que fez o discurso econômico mais consistente, chegou a pregar o que, vindo de bocas petistas, seria heresia: alguns ajustes na lei, estabelecendo por exemplo limites para os gastos com juros e nova indexação dos contratos da dívida dos estados. Aécio Neves já havia apontado isso: corrigida pelo IGP-I, a dívida já aumentou em 170%. Se fosse pela TJLP, teria crescido apenas 121%. Mas foi o governo passado que escolheu o indexador.

Da troca de farpas ficou a sensação de que a campanha será extremamente maçante se enveredar por esta exumação do passado. Eleitor detesta isso.

Já o recado do PMDB foi mais objetivo: reconduziu um presidente que defende a candidatura própria, cobrando do PT o início das negociações. E de forma institucional, não através do grupo aliado, liderado por Sarney e Renan Calheiros (que hoje, por sinal, terão encontro com Lula).