Título: E a Baixada, fica com quem?
Autor: LINDBERG FARIAS
Fonte: O Globo, 05/05/2005, Opinião, p. 7

Odebate em torno da desfusão do Estado do Rio me lembra as propostas preconceituosas que parte da elite carioca chegou a manifestar, no início da década de 90, por ocasião dos primeiros arrastões registrados na Praia de Ipanema, ainda no governo Brizola: ¿Fechem o Túnel Rebouças nos fins de semana¿, pediam, em coro, implorando pela importação do apartheid que, naquela época, ruía na África do Sul.

Eu, paraibano recém-chegado aos mares do Sul, impressionava-me mais com a reação de parte da elite do que com os arrastões em si. Felizmente, o bom senso impediu que a proposta fosse levada a sério, mas o desejo de se erguer muros de proteção, tão antigo quanto a Humanidade, nunca deixou de existir.

Hoje, quando assisto a esse debate fabricado pelas elites cariocas pedindo a desfusão do Estado do Rio, parece que estou ouvindo novamente aquelas vozes clamando, implorando pelo fechamento dos túneis, pela construção de muros, qualquer coisa que impeça a ¿invasão¿ das suas praias. Com um adicional: dessa vez, se consumada a separação, a capital teria a suprema chance de enviar para o ¿resto do estado¿ tudo que hoje há de ruim no Rio de Janeiro: a PM corrupta, o casal Garotinho, a Cedae, a Alerj, e, é claro, a Baixada Fluminense. Uma elite que não se importa em ter uma empregada doméstica que more em Nova Iguaçu, mas que não admite que o dinheiro de seus impostos sirva para sanear a rua distante onde ela mora.

Se as vozes que defendem hoje a desfusão se dignassem a dar um passeio pela Central do Brasil veriam o quão distantes estão daqueles que realmente importam: o povo, que sequer tomou conhecimento desse debate, tamanha a sua incapacidade de chegar até eles.

Até o sociólogo francês Alain Touraine, observador distante da realidade brasileira, já percebeu a armadilha da desfusão. Informado pelo colunista Merval Pereira, em seminário em Istambul, na Turquia, sobre a discussão que se trava por aqui em torno do tema, a primeira pergunta que ele fez ao colunista do GLOBO foi: ¿E a Baixada Fluminense, fica com quem?¿ Diante da explicação de que o novo estado excluiria a Baixada, Touraine sorriu e disse: ¿Se a divisão for para se livrar da Baixada Fluminense, sou contra.¿ Como se vê, até o francês, a milhas de distância, está mais antenado ao povo do que as nossas elites, talvez cegas pelos insufilmes dos vidros de seus carros que as protegem dos meninos que pedem dinheiro nos sinais de trânsito.

Os problemas relacionados à violência, à saúde e à educação não serão equacionados a partir da criação de um novo estado, que implicaria, além de tudo, enormes custos para a criação de uma nova Assembléia, de um novo Tribunal de Justiça, de um novo Tribunal de Contas. Em vez de gastar sua preciosa energia em torno dessa discussão autista, melhor seria se essa elite política e intelectual que defende a desfusão direcionasse seus esforços no sentido de ajudar a fortalecer os consórcios metropolitanos já existentes, como o de Saúde e de Educação, na busca de soluções de problemas que não pertencem a uma parte do Rio, mas a todos os fluminenses.

LINDBERG FARIAS é prefeito de Nova Iguaçu e presidente da Associação de Prefeitos da Baixada.