Título: A COR DO RIO
Autor: JOSÉ VALTER MARTINS DE ALMEIDA
Fonte: O Globo, 05/05/2005, Opinião, p. 7

Agovernadora do Rio só usa óculos com lentes cor-de-rosa. Rosinha Garotinho assim vê o nosso estado, com as cores de sua própria conveniência. O que, aliás, é natural: para Rosinha, tudo está cor-de-rosa. Se o Estado do Rio ficou na lanterna brasileira do crescimento industrial nos últimos meses ¿ como de fato ficou ¿ não faz mal, porque outras estatísticas mais convenientes salvarão o Rio, na ficção econômica do governo estadual. Usando, por exemplo, a extração do petróleo como muleta estatística, aquilo que seria, de outra forma, desempenho sofrível da indústria fluminense nos últimos sete anos (período do casal Garotinho) passa a ser vez e meia melhor que a média nacional. Óbvio que a política fluminense oficial não colaborou nada para tal ocorrer. Deus-Pai nos deu de graça o petróleo que a Petrobras tira do solo e que, depois, paga os royalties com os quais os políticos estaduais tapam o rombo do déficit previdenciário dos servidores públicos do estado.

Então, onde está o desenvolvimento vislumbrado em cores tão rosáceas pela governadora e por seu presidenciável marido? Entre orgulhosos e indignados ela protesta nas páginas do GLOBO e ele na ¿Folha¿ ante o suposto ataque vilão de um bando de cariocas e fluminenses mal agradecidos, mesmo perante supostas benesses produzidas na gestão dos Garotinhos.

A cidade do Rio de Janeiro, de fato, nunca viu tais benefícios. A cor do Rio é, infelizmente, o preto, uma cor poderosa e significativa que usamos para enterrar nossos mortos, fuzilados em suas próprias casas, nos bares onde inocentes tombam sob o peso da maldade gratuita, ou daqueles que desmaiam nas filas dos hospitais desequipados, nas cidades do interior abandonadas à sua própria sorte porque o crescimento que as autoridades do estado enxergam fica todo concentrado em alguns ¿enclaves¿ industriais, termo usado para explicar os pólos das indústrias siderúrgica, automotiva ou petrolífera, que poucos empregos geram fora do seu entorno, pois esta é a inevitável restrição de um desenvolvimento baseado apenas em três ou quatro grandes plantas industriais, sobre as quais se assenta o discurso político do casal e toda sua imensa verba de propaganda.

Mas o discurso propagandístico do casal Garotinho não passará despercebido ao povo sofredor, que não ¿sente¿ esse desenvolvimento tão alardeado, especialmente na sua cidade-capital, o Rio de Janeiro, que não acumula qualquer benefício de toda essa expansão industrial no interior do território fluminense.

O Rio de Janeiro, comunidade típica do século XXI, voltada para o setor comercial e de prestação de serviços, como tem sido há séculos, não tem tido do governo do estado uma só providência de apoio ou resgate dos seus segmentos grandemente empregadores de sua mão-de-obra. É só olhar em volta: a indústria de serviços financeiros evaporou-se do Rio; a Bolsa de Valores, os bancos de investimentos, as seguradoras, restando apenas alguns gestores de ativos ¿ butiques financeiras situadas no Leblon e na Barra. Só isso? Claro que não! A indústria de audiovisual ainda resiste bravamente, por um só motivo: por efeito da permanência da Globo no Rio. Façamos agora um exercício hipotético do Rio sem eles!

Queremos mais? Vamos lá. Percorramos a Avenida Brasil, ou a Linha dois do Metrô de olhos bem abertos. Vamos perceber que antigos galpões, unidades industriais extintas, armazéns outrora pujantes, estão se transformando, um a um, em colméias de moradores sem teto.

Nem tudo, obviamente, é produto do descaso oficial ou da incúria dos atuais esbanjadores dos nossos doídos impostos estaduais, aliás, os mais altos do Brasil. Essa penúria carioca, da cidade e do estado, tem origem na omissão nossa mesmo, de votar em deputados e senadores, no passado e no presente, incapazes de organizar uma bancada do Rio e trazer para cá o que a bancada de São Paulo, ou a bancada gaúcha ou a baiana conseguem para seus respectivos estados.

É perfeitamente legítimo a governadora e seu marido terem uma visão mais otimista da realidade que nos cerca. Afinal, não seria natural que enxergassem o preto em vez do rosa. Não precisariam, porém, ofender a inteligência dos seus conterrâneos, cariocas e fluminenses, ao apresentar como vitória a presença circunstancial de meia dúzia de grandes indústrias, realmente importantes para o estado, esquecendo-se de que essas andorinhas, sozinhas, não operarão o resgate da miséria fluminense. Nem, menos ainda, resolverão o enigma da extrema decadência da nossa cidade-capital, cuja degradação virou agora matéria de capa de revistas no Brasil e no exterior.

JOSÉ VALTER MARTINS DE ALMEIDA é diretor do Instituto Atlântico.