Título: A VOLTA DO LANÇA-PERFUME
Autor: Antônio Werneck
Fonte: O Globo, 05/05/2005, Rio, p. 16
Tráfico da droga chega à internet e número de frascos apreendidos sobe 775% no país
"Vendo lança-perfume universitário, de válvula verde, entrega em 3 dias para todo o Brasil. Preço da caixa com 12...$240,00.¿ O anúncio foi encontrado esta semana na internet, com o correspondente e-mail para o interessado fazer o pedido. Não é o único: há vários outros espalhados pela rede mundial. Até mesmo participantes de salas de bate-papos de jovens em idade escolar fazem propaganda do produto. Um exemplo de um mercado em franco crescimento no Rio, onde jovens universitários, moradores de bairros da Zona Sul, estão seguindo os passos dos traficantes dos morros e formando suas próprias quadrilhas de distribuição, contratando ¿mulas¿ (transportadores de drogas) e alimentando o vício dos amigos que freqüentam boates e festas raves.
No ano passado, a Polícia Federal apreendeu em todo o país cerca de 70 mil frascos de lança-perfume. Há quatro anos foram apenas oito mil. Um aumento de 775% de 2001 para 2004.
¿ Você quer quantos? ¿ perguntou um homem que faz ponto na Zona Sul ao atender a uma ligação do repórter do GLOBO que se passou por interessado em comprar frascos de lança-perfume.
O número do telefone celular do traficante não foi difícil de conseguir: foi só perguntar a jovens que se reúnem em quiosques do Leblon. Mesmo bairro onde esta semana agentes da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) da Polícia Federal do Rio prenderam dois estudantes com cerca de 500 frascos de lança-perfume. Um deles, o universitário Carlos Moreira Junior, de 23 anos, morador de Laranjeiras, foi preso logo depois de desembarcar de um ônibus na Rodoviária Novo Rio. Voltava de Curitiba, onde fora comprar a droga diretamente com o fornecedor.
¿ Recebi a promessa de ganhar R$2 mil para trazer os frascos de Curitiba até o Rio ¿ disse Carlos Moreira, estudante de educação física, aos policiais federais.
PF cria grupo para investigar bandos
O assunto está merecendo tanta atenção que a Coordenação Geral de Polícia de Repressão a Entorpecentes (CGPRE) da Polícia Federal de Brasília (quase sempre dedicada a investigar traficantes internacionais de cocaína) resolveu criar um grupo para traçar o perfil das quadrilhas de lança-perfume do Rio.
¿ É um trabalho novo, para frear a febre de consumo dos jovens do Rio ¿ disse o delegado Ronaldo Magalhães, chefe da Inteligência Policial da CGPRE.
Ronaldo disse que recentemente participou em Buenos Aires de uma reunião com autoridades da Argentina, em especial com o comando da Gendarmería, a polícia nacional. Com gráficos e informações das apreensões da PF no Brasil, ele pediu medidas mais eficazes para a redução da oferta da lança-perfume no Brasil (os frascos vêm todos da Argentina):
¿ Todos ficaram alarmados com o aumento do número de frascos apreendidos. Naquela oportunidade, percebi que não há qualquer programa ou preocupação do governo argentino com a interdição daquela substância. O cloreto de etila, naquela composição, não é considerado de uso proscrito. Além disso, não há registro de usuários por lá.
Na Argentina, o delegado fez outras descobertas: o produto acabado, tal como se apreende no Brasil, não é vendido nos mercados ou nas farmácias. Também não é utilizado como aromatizante ambiental.
¿ O fato é que aquelas autoridades desconhecem os locais de fabricação, inclusive nos disseram que a manipulação para o produto final se faz de forma artesanal, em fundo de quintal ¿ contou Ronaldo.
Com base nos encontros que tiveram na Argentina, os policiais federais brasileiros estudam mecanismos para identificar os lugares de fabricação e repassá-los aos policiais antidrogas da Argentina.
¿ Somente assim saberemos se a promessa de interdição será posta em prática. Se der certo, reduziremos a oferta da droga e conseguiremos diminuir o consumo do lança-perfume ¿ afirmou o policial.
A maior dificuldade da Polícia Federal no combate à droga é que, diferentemente da maconha do Paraguai, a produção do lança-perfume não sofre qualquer repressão na Argentina.
¿ O fato é que se nós, principais prejudicados, não adotarmos uma política de intervenção no processo evolutivo do consumo e, em conjunto com as autoridades da Argentina, não iniciarmos uma troca de informações, o tráfico de lança-perfume estará completamente sem controle ¿ afirmou Ronaldo.