Título: PÃO FRANCÊS
Autor: Aguinaldo Novo e Fabiana Ribeiro
Fonte: O Globo, 05/05/2005, Economia, p. 33

Casino dividirá com Abílio Diniz controle da rede varejista, mas pode virar majoritário

Ofrancês Casino vai aumentar sua participação e dividir com a família Diniz o controle do Grupo Pão de Açúcar, líder do segmento de supermercados no Brasil, com vendas anuais superiores a R$15 bilhões. O acerto, antecipado pelo colunista do GLOBO Ancelmo Gois e anunciado ontem depois de quase dois anos de negociações, chega a US$860 milhões e envolve a troca de ações e o pagamento em dinheiro de R$1 bilhão ao empresário Abílio Diniz, principal acionista da rede. O Casino é sócio minoritário do grupo desde janeiro de 99, com uma parcela de 24% das ações ordinárias (com direito a voto). Pelo acordo, o grupo francês poderá assumir o controle daqui a oito anos.

Uma nova holding está sendo criada, em que cada parte deterá 50%. Essa holding terá 65,6% das ações com direito a voto da Companhia Brasileira de Distribuição (CBD), sob a qual estão as bandeiras Pão de Açúcar, Extra, Extra Eletro, Sendas e CompreBem. Um acordo de acionistas garantiu a reeleição de Diniz para o Conselho de Administração.

¿ Por enquanto, eles manifestaram apenas a intenção de ter opções. Mas o futuro a gente deixa para o futuro ¿ disse Diniz, frisando que em qualquer situação pretende manter a gestão nas mãos da família.

Com a operação, os estrangeiros chegam ao topo do setor de supermercados no país. O também francês Carrefour já está no segundo lugar. No ano passado, ganhou força a americana Wal-Mart, que derrotou o Pão de Açúcar na disputa pela rede nordestina Bompreço, que pertencia à holandesa Royal Ahold. E foi pelas mãos de Diniz que algumas empresas brasileiras saíram de cena, como o Paes Mendonça, ou se renderam às parcerias, caso das Sendas. Está também no Brasil a portuguesa Sonae, que fez aquisições e hoje está no Sul e em São Paulo.

O Pão de Açúcar acompanha a tendência do setor ao se associar ao capital estrangeiro, diz o professor Cláudio Goldberg, da Fundação Getúlio Vargas.

¿ Em termos corporativos, é uma empresa transnacional.

Mas Arthur Sendas reafirmou seu nacionalismo:

¿ A Sendas não se rendeu ao capital estrangeiro. Somos uma empresa brasileira, que se associou ao Pão de Açúcar, que, por sua vez, se associou ao Casino. Nada mudou para nós.

O mercado financeiro no Brasil reagiu bem: as ações do Pão de Açúcar subiram 9,1%. Mas a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) pediu mais explicações.

Logo após do anúncio do negócio, as agências de classificação de risco Fitch e Standard & Poor's reduziram a perspectiva da nota para os papéis do Casino. Para os analistas da Fitch, as incertezas refletem um investimento feito ¿em um mercado que não faz parte do foco da empresa¿.

À frente dos negócios desde janeiro de 1994, Diniz deu razões empresariais e pessoais para o acordo. Segundo ele, o mercado financeiro se mostrou pouco propício para um novo aumento de capital, necessário para assegurar os investimentos e minimizar o impacto dos juros sobre uma dívida bruta de R$2,7 bilhões.

Com o R$1 bilhão que receberá, Diniz fará uma operação casada. Numa primeira fase, comprará 60 lojas ocupadas pelo próprio Pão de Açúcar (que representam 30,5% das vendas) e receberá um aluguel. O dinheiro dessa venda será usado, na etapa seguinte, para abater a dívida do grupo, que nos próximos dias deve aprovar também um programa de R$2,5 bilhões em investimentos entre 2006 e 2009, com a criação de 30 mil empregos (hoje são 68 mil).

Do ponto de vista pessoal, Diniz se disse ainda satisfeito em garantir ao pai (Valentim) e à irmã Lucília, com quem dividia o controle, a possibilidade de converter ações em dinheiro.

A associação pode ter impacto no bolso do consumidor. Segundo analistas, os preços ficam sujeitos à forte concentração do setor. E, em regiões onde o Grupo Pão de Açúcar tem atuação, como no Rio ¿ onde se divide ainda em Sendas, Extra e ABC Barateiro ¿ esse poder de ditar os preços fica ainda mais evidente.

¿ Nos países onde há maior concentração, como Alemanha e França, o consumidor fica preso às tabelas dos grupos controladores ¿ diz Ulysses Reis, da Treinasse, Soluções e Varejo.

Para Diniz, no entanto, a empresa terá acesso a mais fornecedores, o que aumentará o poder de barganha e reduzirá os preços.