Título: ACORDO DESTRAVA NEGOCIAÇÕES AGRÍCOLAS NA OMC
Autor: Deborah Berlinck
Fonte: O Globo, 05/05/2005, Economia, p. 35

Trinta países, entre eles Brasil, chegam a consenso sobre base de cálculo para reduzir tarifas de importação do setor

PARIS. Ministros de 30 países de peso no comércio internacional, entre os quais o Brasil, conseguiram ontem destravar a negociação agrícola da Organização Mundial de Comércio (OMC), que ameaçava a conclusão da Rodada de Doha, que prevê a abertura mundial dos mercados, iniciada em 2001, em Doha, no Qatar. As discussões na área agrícola estavam emperradas desde 2003 devido a uma queda-de-braço entre o bloco protecionista, liderado pelos europeus, e vários países que exigem mais abertura do mercado agrícola, sobretudo o Brasil.

Reunidos em Paris, representantes de União Européia (UE), Estados Unidos, vários países exportadores e os principais importadores, como Japão, fecharam um acordo sobre a fórmula que permitirá converter as tarifas de importação expressas em valor nominal ¿ euros ou dólares por tonelada do produto ¿ para uma tarifa em percentual do preço (a chamada tarifa ad valorem). Sem esta conversão, os 148 países-membros da OMC não podem negociar o ponto crucial: a redução de tarifas. Foi um acordo político, de última hora, para salvar a negociação, que até ontem de manhã era tida como condenada.

Amorim: `Daqui a meia hora, nem eu mais vou entender¿

O ministro brasileiro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ficou satisfeito mas não proclamou vitória:

¿ Vamos deixar claro uma coisa, para não ter nem derrotismo, nem triunfalismo: isso é apenas a porta de entrada. Agora vamos poder negociar. O acordo nos permitirá avançar. Mas é tão complexo explicar este acordo que é que nem estenógrafo: daqui a meia hora, nem eu mais vou entender.

A fórmula de conversão, segundo negociadores brasileiros, é favorável aos exportadores agrícolas, como o Brasil. Primeiro porque vai mostrar o grau de proteção que europeus e outros escondem por trás do preço de cada produto agrícola.

Tarifa mesclará preço internacional e de importação

A briga foi em torno da base que os negociadores devem usar para fazer a conversão de tarifa: o percentual sobre o preço do produto no mercado internacional, mais realista, ou sobre o preço do produto nos países importadores, que inclui todas as distorções. Puxando pelo preço internacional, a conversão resulta numa tarifa com percentual mais alto, isto é, sujeita a um corte tarifário maior nas negociações da OMC.

Chegou-se então a um meio-termo. Para produtos agrícolas de base ¿ à exceção do açúcar, que ficou fora do acordo ¿ a fórmula favorece os exportadores agrícolas, já que as tarifas serão convertidas usando-se 82,5% do preço do produto no mercado internacional, mais 17,5% do preço dos importadores. Para produtos agrícolas processados, o ganho é menor: a fórmula ficou em 60% e 40%, respectivamente.

O Brasil espera agora juntar mais munição para a próxima ¿ e mais importante ¿ etapa: a fórmula de redução das tarifas. Foi decido que estas serão reduzidas em bandas. Haverá três. A próxima briga vai ser sobre como os produtos serão distribuídos nas bandas e qual o grau de corte.

O comissário de Comércio europeu, Peter Mandelson, que até ontem de manhã insistia numa fórmula que desagradava os exportadores, saiu dizendo que não tinha do que se arrepender e que o acordo era aceitável para a UE.

¿ Agora vamos passar para a etapa séria da negociação ¿ disse Mandelson, pragmático.

O representante de Comércio da Casa Branca, Rob Portman, que acaba de assumir o cargo, também comemorou, dizendo que o acordo evitou o pior: a paralisação da Rodada de Doha.

A OMC espera que seus 148 países-membros ¿ que ainda terão de aprovar o acordo por consenso ¿ cheguem a um entendimento sobre a próxima etapa até julho. O Itamaraty consultou 20 setores exportadores brasileiros e já começou a receber propostas sobre redução de tarifas. Com base nisso, o Brasil vai apresentar até fim deste mês uma proposta para o G-20 (o grupo de 20 países em desenvolvimento que lidera junto com China e Índia) para fazer frente à UE.

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