Título: A VIOLÊNCIA POLÍTICA COM OBJETIVOS ELEITORAIS
Autor: JORGE BORNHAUSEN
Fonte: O Globo, 06/05/2005, Opinião, p. 7

Depois de condenado por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal - que considerou inconstitucional e ilegal sua intervenção nos hospitais municipais do Rio - o ministro da Saúde está devendo ao prefeito do Rio, Cesar Maia - independentemente das indenizações legais - uma compensação evangélica. Aquela a que são condenados os que causam injustamente danos morais às suas vítimas: recolher, onde eles tenham chegado, os efeitos da sua violência repudiada de forma tão veemente pela Justiça. (Refiro-me à parábola sobre a propagação das infâmias, como se fossem penas soltas ao vento, e à impossibilidade de os difamadores desfazerem o mal que causaram.)

Todos vimos o lucro que o ministro obteve. Já despedido do ministério, com sua saída revelada aos jornalistas, o senhor Humberto Costa obteve sobrevida no cargo. O preço foi se prestar ao triste papel de espingardear covardemente, de tocaia, um candidato que cresce nas pesquisas e, pelas projeções dos especialistas, tende a se tornar potencial obstáculo à reeleição do presidente Lula.

O episódio foi ignóbil. Cesar Maia, sem propaganda e com reduzida presença na mídia, apareceu em parcos filmetes de TV apresentando os métodos e programas de administração do PFL. Para surpresa geral, as pesquisas mostraram que Cesar chegou a atingir 13% de intenções de voto para presidente, "se as eleições fossem hoje". Um prodígio, já que o presidente Lula está todo dia na TV e nos jornais, em apresentações histriônicas, autopromovendo sua reeleição. Imediatamente, acendeu uma luz de alerta nos computadores dos marqueteiros do governo.

Que fazer para retirar Cesar Maia da corrida sucessória? Antes que aparecesse uma estratégia, o ministro da Saúde apresentou sua hipótese de cangaço político. Aproveitaria as negociações sobre atrasados devidos pelo governo federal à saúde do Rio (onde a prefeitura administra oito grandes hospitais federais e tinha a receber do Ministério da Saúde contas atrasadas correspondentes a R$193 milhões, nada desprezíveis) e criaria um escândalo, que, aos olhos da opinião pública, o colocaria como relapso.

O espírito petista - que sempre adotou esses métodos contra adversários - congratulou-se com o "companheiro" derrotado de Pernambuco (e que só por isso ganhou o emprego) e, garantindo-lhe a desejada sobrevida no ministério, estimulou-o ao ataque soez.

A intervenção nos dois hospitais municipais da prefeitura do Rio (Souza Aguiar e Miguel Couto) rendeu manchetes em jornais do país inteiro e preciosos minutos na TV em que foi atingido o mais importante patrimônio político do prefeito Cesar Maia: sua irrepreensível capacidade de gestão, não apenas honesta, mas altamente produtiva e racional. Ou seja, brasileiros no país inteiro souberam que a prefeitura do Rio tinha sido objeto de uma intervenção do Ministério da Saúde.

Como o noticiário buscando a neutralidade evita o risco do viés crítico, a maior parte das notícias na TV e na imprensa registrou o fato essencial: a intervenção. Com as naturais imagens do grande drama da assistência médica de urgência, um problema nacional, mas que, focado num determinado local e sob o impacto de um fato político, ganha outras dimensões.

Agora, passados 40 dias, o Supremo Tribunal Federal, por 10 votos a zero - ouvindo-se, durante o julgamento, entre outros, o impressionante desabafo do ministro Sepúlveda Pertence de que não se devia perder tempo com defunto que não merecia atenção, tal a estupidez do ato do ministro da Saúde - sentencia que a intervenção nos hospitais municipais do Rio foi um abuso, por inconstitucional e ilegal.

E quem vai dizer aos leitores de jornais e aos milhões de telespectadores que o prefeito do Rio foi vítima de uma violência política, com fins eleitorais explícitos, e que o ministro da Saúde foi condenado a desfazer o ato pelo Supremo Tribunal Federal em decisão unânime?

Nunca a parábola evangélica, que comparou o pecado da difamação ao ato de soltar penas ao vento, impossíveis de recolhê-las depois. Nem foi mais adequada a uma situação política real ao esforço que está custando desfazer nacionalmente aleivosia lançada contra o prefeito. Mas, graças a Deus, a sentença do Supremo Tribunal Federal teve excelente divulgação e todo mundo já sabe que Cesar Maia foi vítima, não réu.

Com os cariocas, que conhecem Cesar Maia, a maldade será facilmente contornada. O prefeito se beneficiará do efeito demonstração. Todos sabem que a carapuça de mau administrador não lhe cabe e que a questão da saúde do Rio não é só um nó municipal. Além do mais, não se resolve sem que o governo federal o desate, pois seus hospitais entregues à prefeitura exigem recursos acima das responsabilidades do município do Rio.

Bem que a sentença do Supremo podia ter uma pena complementar, obrigando o ministro da Saúde à condenação da parábola evangélica.

JORGE BORNHAUSEN é senador (PFL-SC) e presidente do Partido da Frente Liberal.