Título: BRASIL É O SEGUNDO EM MORTES POR ARMAS DE FOGO
Autor: Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 06/05/2005, O País, p. 11

Unesco, que fez a pesquisa em 54 países, pede pressa na aprovação do referendo sobre venda de armamento

BRASÍLIA. O Brasil é proporcionalmente o segundo país com maior número de mortes por armas de fogo num ranking de 54 países pesquisados pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco). A pesquisa mostra que o Brasil só perde para a Venezuela. Dados preliminares de outra pesquisa da Unesco revelam como a violência afeta o cotidiano das escolas: 35% dos alunos entrevistados em seis capitais, entre elas o Rio, disseram já ter visto algum tipo de arma, de fogo ou não, nos lugares onde estudam. Esse percentual é de 12% no caso de revólveres.

Os dados foram apresentados ontem ao presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), pelo representante da Unesco no Brasil, Jorge Werthein. Ele pediu pressa a Severino na votação do projeto que regulamentará o referendo sobre a proibição da venda de armas.

Severino promete empenho para votar referendo

Severino, que recentemente atendeu a um pedido da "bancada da bala" e estendeu o prazo de votação do projeto do referendo, prometeu empenho para garantir a votação da proposta, que tramita na Comissão de Constituição e Justiça. Segundo Werthein, o presidente da Câmara afirmou que a proposta será a primeira a entrar em votação em plenário tão logo a pauta seja desobstruída.

- Um país que está em segundo lugar com morte por arma precisa de uma consulta popular. É deplorável o que está acontecendo. Precisamos fazer tudo para salvaguardar a sociedade, que não pode ser punida pela falta de ação dos legisladores. O referendo vai ser aprovado e quem vai decidir é o povo - disse Severino.

Os dados do relatório da Unesco foram obtidos na Organização Mundial de Saúde, à exceção do Brasil, onde a Unesco recorreu ao Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde e ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foram considerados mortes acidentais, assassinatos, suicídios e casos indeterminados em que a morte foi causada por arma de fogo.

Segundo o balanço, os homicídios são a principal causa dos óbitos por arma de fogo. No Brasil, a taxa de mortes por armas de fogo é de 21,72 mortes por cem mil habitantes, das quais 19,54 dizem respeito a assassinatos. Na Argentina, a taxa geral é de 11,49 e a específica de homicídios, 4,34.

As taxas de cada país não têm como base o mesmo ano, variando entre 2000 e 2003. Segundo Werthein, isso não impede a comparação. Ele disse que os países foram escolhidos justamente porque havia dados recentes sobre suas taxas de mortalidade. Os dados do Brasil são de 2002. Os da Venezuela, de 2000, e os dos EUA, de 2001.

Defensor da campanha do desarmamento e da proibição de venda de armas, Werthein diz que o Brasil pode servir de exemplo mundial. E enfatizou que o problema da violência prejudica a qualidade de ensino.

- É incrível ver a quantidade de armas de fogo que circulam nas escolas. Isso mostra a facilidade do acesso a armas para crianças e jovens. Não existe sistema de ensino que possa ter qualidade se o ambiente é de temor - afirmou Werthein.

Em fase de processamento, a pesquisa Cotidiano das Escolas: Entre Violências ouviu cerca de 1.400 alunos, professores, diretores e funcionários em 113 escolas do Rio, São Paulo, Salvador, Belém, Porto Alegre e Distrito Federal. Aplicou 10.069 questionários entre os alunos, amostra que representa um universo de 1,6 milhão de estudantes.

Armas mais vistas são canivetes e facas

Entre as armas vistas pelos alunos nas escolas, estão canivetes (citados por 21% dos entrevistados), facas (13%), revólveres (12%) e punhais (4%). Segundo a pesquisa, 1,2% dos estudantes ouvidos disseram já ter entrado na escola armados de revólver. O percentual equivale, em números absolutos, considerando-se a totalidade de estudantes nessas escolas, a 20 mil jovens armados.

O ministro da Educação, Tarso Genro, que também apóia a campanha do desarmamento e as restrições ao comércio de armas, disse que a violência nas escolas preocupa o governo.

- As escolas refletem hoje e sempre vão refletir o que existe na sociedade. A campanha do desarmamento e a restrição do comércio de armas são iniciativas meritórias e necessárias -- disse o ministro ao GLOBO.

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Saiba sobre o referendo

O referendo que consultará a população se a venda de armas e munição deve ou não ser proibida no país está previsto no Estatuto do Desarmamento, aprovado em dezembro de 2003 pelo Congresso. Mas para que seja realizado em outubro, como previsto, a Câmara precisa aprovar o projeto que regulamenta o referendo, decidindo a pergunta a ser feita à população em cédula elaborada pelo Tribunal Superior Eleitoral. O projeto, que tramita desde o ano passado, não foi votado até hoje por causa da obstrução de parlamentares contrários ao desarmamento que integram a "bancada da bala". Anteontem, o relator na CCJ, João Paulo Cunha (PT-SP), apresentou parecer, mas o projeto só será votado semana que vem.