Título: CALOTE COM CHAPÉU ALHEIO
Autor: Fabiana Ribeiro
Fonte: O Globo, 06/05/2005, Economia, p. 27

Empréstimo de nome causa inadimplência entre mais pobres, pressionando juros

A doméstica Marlene Filgueiras, de 47 anos, nunca teve conta em banco. A costureira Gisleine Siqueira, de 38 anos, jamais teve cartão de crédito na carteira. Ainda assim, compraram roupas a prazo em lojas como C&A e Leader Magazine e contribuíram para engrossar a lista dos inadimplentes do país. As duas recorreram a parentes - que emprestaram o nome e entraram no crediário da loja no lugar das verdadeiras clientes. Esse tipo de compra está entre as principais causas da inadimplência das classes C e D, o que tem ajudado a pressionar a taxa de juros no país. Assim garantem redes de varejo, economistas, especialistas em crédito e estudo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

Segundo Michael Klein, diretor-executivo das Casas Bahia, o motivo número um da sua taxa de inadimplência - de 8,5% - é conseqüência de o consumidor usar o nome de outra pessoa na compra. E, por isso, a empresa se defende: treina analistas de crédito. Na filial da Rocinha, por exemplo, há o cuidado de se contratar pessoas que conheçam a clientela e possam, portanto, identificar o motivo da compra e apurar quem será o verdadeiro dono do produto:

- Cliente sem nome sujo tem crédito pré-aprovado em compras até R$600. Acima disso, passa pelo analista, que, se notar que o nome foi emprestado, não autoriza a compra.

Nome emprestado supera desemprego

Na última pesquisa do Telecheque, referente a janeiro e fevereiro, uma surpresa para muitos. O empréstimo de nome teve peso bem maior na inadimplência até que o desemprego. Traduzindo: enquanto o desemprego foi o motivo de calote de 6% dos quase mil consumidores ouvidos, o percentual da dívida por empréstimo do nome registrou o dobro (12%).

- Outros caminhos levam à inadimplência, como descontrole das contas e atraso de salário - lembrou João Carlos Prachedes, vice-presidente do Telecheque.

O empréstimo do nome faz parte do atual retrato da economia do país, explica Miguel de Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac). Ou seja, é causa e conseqüência das altas taxas juros mantidas pelo Banco Central desde setembro de 2004. Mas vai além:

- Quando as pessoas começam a usar demais esse artifício, é um sinal de que desemprego em alta e renda apertada fazem com que o consumidor busque alternativas.

Uma política de crédito mais rígida foi a estratégia da Leader Magazine para combater a inadimplência. Começa a dar certo. No início de 2004, taxa de 2,8%. Um ano depois, esse índice caiu para 1,7%. Mas, diz Carlos Alberto Machado, diretor da empresa, é difícil identificar quando a compra não é feita para o dono do cartão:

- Para evitar isso, quem não comprova renda tem dificuldade de fechar com o nosso crediário.

A costureira Gisleine, porém, conseguiu driblar o sistema da empresa. Só que não teve como pagar pelas compras e ficou devendo cerca de R$300 à prima, que ficou inadimplente.

- Meu filho teve um acidente e sofri com os gastos. Não paguei o que devia à loja e não quis buscar financeiras nem agiotas. Minha prima ficou com o nome sujo.

Para Cecília Mattoso, diretora da ESPM do Rio, esses inadimplentes não se sentem devedores do primo ou do colega. Em vez disso, consideram-se em dívida com a loja.

- Se ele não pagar a prestação da TV, quem não recebe é a loja e não quem emprestou o nome - diz Cecília, frisando que a pessoa se sente obrigada moralmente a emprestar o nome a terceiros. - Sem políticas públicas, as pessoas se ajudam.

Cecília lembra que esses consumidores estão conscientes dos juros que pagam num crediário, segundo a pesquisa da ESPM. Assim como dos encargos dos cartões de crédito - acessível também aos pobres, diz ela, ao contrário do que afirmara semana passada o presidente Lula ao criticar os brasileiros por não tirarem "o traseiro da cadeira" para buscar juros mais baixos.

'Usei duas vezes cartão de parentes'

Para o economista da Fecomércio-RJ João Gomes, essa consciência dos juros indica amadurecimento do consumidor.

- Apesar da inadimplência, os índices da economia mostram que o consumidor compra mais e aproveita mais o crédito consignado.

A doméstica Marlene Filgueiras, que tem renda de R$400 mensais, diz que comprou "duas vezes com cartão de parentes". Mas foi quando ficou desempregada que ficou com o nome sujo na praça:

- Não tinha como provar renda para ter cartão, pedi ajuda e comprei. Mas não houve problema nem precisei pagar juros e encargos.

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