Título: Questão de fé
Autor: Antônio Marinho
Fonte: O Globo, 08/05/2005, Revista, p. 21

APESAR DE O ESTADO BRASILEIRO SER LAICO E O ENSINO RELIGIOSO CONFESSIONAL NAS ESCOLAS SER CONSIDERADO INCONSTITUCIONAL POR EDUCADORES, A LDB RECONHECE A DISCIPLINA COMO ÁREA DE CONHECIMENTO. E AGORA? PARA A ANTROPÓLOGA SANDRA DE SÁ CARNEIRO, PROFESSORA DA UERJ E PESQUISADORA DO INSTITUTO DE ESTUDOS DA RELIGIÃO (ISER), O PROSELITISMO RELIGIOSO É PROIBIDO: 08/05/2005 ¿ Não tem sentido pagar um professor para ensinar uma determinada crença. E é impossível ter professores em número suficiente para atender a todos os alunos de diferentes credos. A discussão do tema tem que partir do ponto de vista filosófico, antropológico e ecumênico.

O antropólogo Emerson Giumbelli, professor da UFRJ e pesquisador do Iser, acrescenta que a escola pública deve ter compromisso com o pluralismo:

¿ Há escolas públicas no Rio sem professor de religião ou, às vezes, só com o de uma determinada religião e num único turno.

Para André Porto, coordenador do Movimento Inter-Religioso do Rio de Janeiro (MIR), que promove o diálogo e a cooperação entre diferentes religiões e grupos espirituais, a lei do ensino confessional foi feita para falhar:

¿ No mundo globalizado, ainda que a família não tenha uma crença, é importante a criança ou o jovem entender o fenômeno religioso, não apenas cristão. E isso pode estar na escola. Até para se aprofundar na religião que recebeu da família, ter subsídios para buscar outra ou não ter crença.

A engenheira Chou Chaw Yung, mãe de Diego e Amanda, acha essencial seus filhos terem cultura religiosa. Católica praticante, optou pelo São Bento para o menino, para ele complementar a referência religiosa dada pela família e ter base para aceitar ou questionar sua fé.

Assim como Ana Carolina Nunes Dias, que matriculou o filho Mateus, de 10 anos, no São Bento por causa da ênfase à religião:

¿ A formação espiritual é tão importante quanto a instrução.

O padre Paulo D¿Elboux, reitor do Santo Inácio, diz que a religião ajuda a formar a personalidade e que seu aprendizado começa na família:

¿ A escola é o ambiente no qual os valores religiosos se desenvolvem.

Já a reverenda Gláucia Mendes Silvestre, coordenadora da pastoral escolar e universitária do Instituto Metodista Bennett, diz que a religião na escola não deve ser abordada em forma de dogmas, mas em valores aplicáveis no dia-a-dia.

¿ Passamos valores que Jesus ensinou, como amor, paz, justiça e fraternidade. Não fazemos catecismo. Buscamos o diálogo ecumênico. Na aula, discutimos temas sociais como drogas, sexo fora do casamento e gravidez na adolescência ¿ diz ela, casada com o pastor Carlos Henrique e mãe de Carlos Victor, Stefanie e Pedro Henrique, contando que no Bennett, onde a religião é obrigatória, o ateu não é discriminado. ¿ Há alunos de várias crenças.

O pilar de qualquer identidade é a família, para o rabino Sérgio Margulies, da Associação Religiosa Israelita (ARI), do Rio. Mas o ensino religioso tem valor.

¿ Boa parte da vida religiosa dos judeus é para as crianças. A família passa cultura e valores, mas não o bastante. Daí o valor de atividades nas sinagogas e nas escolas. Com isso, os passos da criança são mais seguros.

Para Evelyn Mileztajn, cujas filhas Deborah, Dafna e Tamara estudaram ou estudam em colégio de tradição judaica, o ensino não deve ser ortodoxo:

¿ A família tem maior responsabilidade em transmitir a crença. Acho essencial dar alguma referência à criança para mais tarde ela optar.

Segundo Sérgio Junqueira, do Fonaper, nas escolas é mais importante discutir o sagrado e as manifestações da religião na sociedade contemporânea, mostrando ao aluno que há diferentes credos e grupos numa mesma crença:

¿ Assim aprende-se a respeitar as diferenças. Separar as crianças é uma discriminação. Elas perdem a chance de ver o mundo juntas. O Brasil não tem religião oficial. As escolas públicas não deveriam ter símbolo religioso.