Título: A escolha inglesa
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 07/05/2005, Panorama Político, p. 2

Os que cuidam da reeleição do presidente Lula têm o que observar no resultado da eleição britânica. Os ingleses deram uma vitória apertada ao primeiro-ministro Tony Blair, um governante que, como Lula, caminhou da esquerda para o centro. Perdeu cadeiras mas preservou a maioria parlamentar e deu ao Partido Trabalhista seu terceiro governo consecutivo.

A censura que Blair sofreu dos eleitores foi pelo engajamento na guerra do Iraque ao lado dos EUA. Mas ainda assim, eles preferiram manter os trabalhistas no poder a trazer de volta os conservadores, que, sob o governo de Margaret Thatcher e o receituário neoliberal, desmontaram boa parte do velho estado de bem-estar social, notadamente nas áreas de educação e saúde. O que salvou Blair, segundo os analistas ingleses, foi o bom desempenho da economia, o que faz do ministro das Finanças, Gordon Brown, a estrela ascendente do trabalhismo. O desemprego recuou e as políticas sociais foram restabelecidas ou fortalecidas.

Lula tem uma política externa bem-vista internamente e isso nem costuma contar no Brasil na hora do voto. Mas, como Blair, manteve os fundamentos econômicos do governo anterior e vem colhendo bons resultados. Tal como o Partido Trabalhista, o PT deixou de lado discursos do passado, perdeu bases à esquerda mas ganhou do outro lado. E, goste-se ou não dela, o governo tem uma política social agressiva, que deve chegar ao final de 2006 com oito milhões de famílias beneficiadas pelo programa Bolsa-Família. Está tropeçando na política e até agora não fez grandes obras físicas, embora hoje a conversa preferida do ministro Dirceu seja sobre o que será ou está sendo feito na área de infra-estrutura. Não há tempo e recursos para recuperar todas as estradas mas haverá o que mostrar em energia, construção de gasodutos, reforma de portos, aeroportos e ferrovias. Além do polêmico projeto de transposição do Rio São Francisco.

Na Inglaterra, apesar do Iraque e das inverdades sobre as armas de destruição, os eleitores reelegeram Blair, sem deixar de censurá-lo, a trazer de volta os conservadores. Aqui, a escolha será entre manter o PT no poder ou trazer de volta o PSDB, ressalvada a hipótese da candidatura Garotinho, com todas as suas incógnitas. Ainda que não haja diferenças essenciais na política econômica, no discurso que fez em Brasília na quarta-feira, no claro papel de porta-estandarte da campanha enquanto o candidato não se apresenta, o ex-presidente Fernando Henrique foi ao ponto:

¿ Nós temos um estilo que nos distingue.

Se o jeito tucano de governar desagradou e foi reprovado em 2002, o modo petista também tem causado cólicas agudas até nos eleitores de Lula. Como Blair, ele pode colher uma vitória amarga em 2006, sem o brilho da de 2002. Ou perder para os tucanos, numa escolha que seria mais entre estilos que entre programas. Embora na quarta-feira eles tenham ido além, dizendo que Lula faz agora na economia o que fizeram mas já não fariam, porque as condições mudaram.