Título: MATERNIDADE DE RISCO: SEGUNDO IBGE, ENTRE 1991 E 2000 NÚMERO DE ADOLESCENTES QUE TIVERAM FILHOS CRESCEU 93,7%
Autor: Fernanda Escóssia e Letícia Lins
Fonte: O Globo, 07/05/2005, O País, p. 12

Mãe aos 14 e aos 40, fenômeno da desigualdade

Dados do Censo mostram que cresce o número de mulheres que engravidam a partir dos 10 anos e dos 40 aos 49

RIO E RECIFE. Em Recife, aos 14 anos, Amanda Carla da Silva deixou de brincar de queimado porque, grávida, tem medo de machucar a barriga. Espera o primeiro filho. No Rio, a professora Maria Alice Nogueira foi mãe de Letícia aos 39, depois de estudar e se estabilizar profissionalmente. Num Brasil em que as mulheres, maioria na população, estão tendo menos filhos, cresce o número de mulheres que são mães nos extremos da fase fértil: dos 10 aos 14 anos, numa explosão de gravidez adolescente que preocupa as autoridades de saúde, ou, num fenômeno dos centros urbanos, dos 40 aos 49, na chamada ¿última juventude¿.

O perfil das mães brasileiras divulgado pelo IBGE com base no Censo 2000 alerta que, de 1991 a 2000, o número de jovens de 10 a 14 anos que foram mães pela primeira vez quase duplicou: subiu 93,7%. O segundo maior aumento foi na faixa de 15 a 19 anos, 41,5%. As brasileiras estão tendo filhos mais cedo e a idade média das mulheres que foram mães pela primeira vez caiu de 22 anos, em 1991, para 21,6 anos, em 2000. Segundo o IBGE, 32,5% dos bebês nascidos em 1991 eram filhos de mães com idades entre 10 e 19 anos. Em 2000, a taxa chegou a 38%.

No outro extremo da idade fértil, as quarentonas também têm histórias para contar nesta véspera de Dia das Mães. Na faixa de 35 a 39 anos, o número de mães pela primeira vez subiu 46% de 1991 a 2000. O crescimento também foi expressivo dos 40 aos 49 anos: 26,9%.

Sexo descoberto cedo demais

Gravidez aos 14 e aos 40 é um fenômeno que fala sobre a desigualdade como marca social brasileira e precisa ser interpretado a partir de um conjunto de fatores, diz Juarez de Castro Oliveira, gerente de Estudos e Análises de Demografia do IBGE:

¿ A gravidez adolescente está muitas vezes associada à baixa escolaridade e à baixa renda. Alerta também para o despertar mais precoce da sexualidade. Já as mulheres com mais de 40 anos têm situação financeira estável e escolaridade alta. É uma mulher que optou por estudar e trabalhar, deixando para mais tarde a opção de ter um filho.

Das mães de 10 a 14 anos, mais de 80% engravidaram no ensino fundamental: 30,2% tinham de um um a três anos de estudo e 53,19% tinham de quatro a sete anos de estudo. Um quarto (25,29%) não tinha rendimento algum, e 52% vêm de famílias com renda mensal de até três salários-mínimos.

Oliveira alerta para o fato de, para muitas adolescentes, a gravidez ser resultado não apenas da falta de informação sobre métodos contraceptivos, mas da busca por auto-estima. Muitas vezes, para uma jovem que não se interessa pela escola nem tem perspectiva de crescimento profissional, ser mãe é uma forma de encontrar seu lugar no mundo e ter relativa independência em relação aos pais.

Outro dado que chama a atenção dos pesquisadores é o fato de 54,74% das garotas de 10 a 14 anos terem dito que vivem ou já viveram em união, um termo que abrange casamentos ¿no papel e na Igreja¿ ou não, as chamadas uniões estáveis:

¿ O que é ¿viver em união¿ para quem tem menos de 14 anos? Relações céleres, rápidas, como namoro rápido ou simplesmente ficar estão sendo encaradas de forma surpreendente. A gravidez adolescente é um problema sério, e vale lembrar que é também de alto risco para a mãe e o bebê ¿ diz Oliveira.

Tão preocupante que, em Alagoas, em 2000, 18,5% das mães de 10 a 14 anos tinham ao menos dois filhos nascidos vivos. Em outros estados do Nordeste e do Norte ¿ Sergipe, Bahia, Pernambuco, Amapá, Rondônia e Acre ¿ o quadro da maternidade precoce se repete.

Aos 40, perfil é bem diferente

O perfil da mãe de mais de 40 anos é outro: 79,03% vivem ou viveram em união; 58,81% são economicamente ativas; 25,73% vivem em famílias com renda superior a dez salários-mínimos e 59,07% têm mais de oito anos de estudo. Esse tipo de gravidez também é considerado de risco. Mulheres que passaram pela gravidez perto dos 40 falam da mudança que o filho causou no foco de vida. É o caso de Maria Alice Nogueira, hoje com 40:

¿ Sou de uma geração de mulheres que se dedicaram muito ao trabalho e ao estudo. Viajei, morei fora. Até que pensei, ufa! Está na hora de pensar em ter filho. Vejo que foi no tempo certo, depois de ter vivido muitas coisas que eu queria e conhecido a pessoa certa.

A jornalista Lisiane Morosine, 42 anos, diz que gostaria de ter tido um pouco mais cedo a filha Rafaela, hoje com 3 anos:

¿ Era o trabalho acima de tudo. Depois do filho, é o filho em primeiro lugar. Eu gostaria de ter outro, mas, quando vejo pelo lado da idade, não dá mais.

Para as mães de mais de 40 que se preocupam em não ter saúde para ver os filhos crescerem, o IBGE tem uma boa notícia. Em relação ao início do século XX, quando a mulher tinha de ter filhos bem cedo porque morria jovem ¿ a expectativa de vida era de 34 anos ¿ a esperança de vida dobrou: a brasileira vive hoje em média 72,6 anos.