Título: O DILEMA DO PT (2)
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 08/05/2005, O País, p. 4

O jornalista Rodrigo de Almeida Ribeiro, na sua tese de mestrado em ciência política no Iuperj, ¿Ao Brasil sem medo, a idéia petista de nação feliz¿, acha que o pragmatismo eleitoral, que ficou como marca da campanha de 2002 do PT que levou Lula à Presidência da República, ¿apenas consolidou sucessivas transformações. A metamorfose foi resultante de um processo lento de institucionalização da legenda¿.

Em 23 anos, ¿em vez de fazer a revolução que sonhava para o Brasil, o PT revolucionou a si mesmo, trocando os debates sobre o partido sem patrões e o governo dos trabalhadores pela convenção festiva de 2002 que lançou a chapa vitoriosa com um empresário como vice¿, ressalta.

As mudanças de posição sempre foram seguidas de frases como a de Lula: ¿Eu mudei, o país mudou, o PT mudou¿. Para se ter uma idéia do grau de mudança operada no interior do PT em sua trajetória até o poder, basta lembrar que na primeira comissão provisória do PT, 12 dos 16 membros eram sindicalistas. No fim da década de 80, dos 20 membros, apenas dez eram sindicalistas, e desses apenas quatro vinham do sindicalismo operário. ¿Pela predominância de professores e profissionais liberais, deve ser caracterizado como um partido de classe média assalariada¿, cita Rodrigo.

Em 1989, o partido supunha serem impossíveis ¿alianças estratégicas com a burguesia e com as forças políticas que sustentavam a dominação e a hegemonia da classe burguesa e a perpetuação do sistema capitalista¿. Ainda defendia o socialismo, que viria ¿não de simples reformas superficiais e paliativas, mas sim de uma ruptura radical contra a ordem burguesa e a construção de uma sociedade sem classes, igualitária, que, por meio da socialização dos principais meios de produção, vise a abundância material para atender às necessidades materiais, sociais e culturais de todos e de cada um de seus membros¿.

Já em 1991, Rodrigo lembra que ¿não por acaso o exemplo de revolução mencionado e o da chamada revolução de veludo nos países do Leste Europeu, nos quais se implantaram, com a mobilização pacífica da população, a democracia política e a liberdade de mercado na região antes controlada pela URSS. É nesse contexto que surge a expressão revolução democrática¿.

O PT também rejeitava a política social-democrata baseada num Estado de bem-estar social que, segundo o partido, ¿apropria-se de parte do excedente econômico, através de políticas fiscais, e o repassa para políticas sociais destinadas a compensar as desigualdades provocadas pelo mercado¿.

Hoje, o deputado Chico Alencar, da esquerda do PT, tem a impressão de que houve um crescimento do apoio popular, ¿sobretudo na população mais inorgânica, com menos informação¿, graças a políticas assistencialistas como o Bolsa-Família. ¿Agora no povão a figura do Lula e mesmo o PT têm mais aceitação. O Bolsa-Família tem uma capilaridade pelo interior, de forma fortemente assistencialista e com peso eleitoral¿, diz ele.

O encontro nacional do partido que ocorrerá em dezembro vai expor, segundo Alencar, ¿a maior nitidez de posições e campos de disputa, e de conteúdo¿. O Campo Majoritário quer retirar do estatuto do partido o socialismo como objetivo, e quer incluir no documento desse encontro ¿que o equilíbrio fiscal, na dinâmica de um país capitalista como o Brasil, é um valor não ideológico e criar uma certa independência dos mecanismos econômicos e monetários¿.

Chico Alencar diz que ¿jamais tirarão¿ o socialismo do estatuto, e garante que a defesa da política econômica ¿gerará um forte debate dentro do partido¿. Paulo Roberto Leal, por sua vez, diz que ¿Lula tem enorme respaldo popular e grande sintonia com as massas. Mas a agenda do governo é muito dissonante da agenda de significativas parcelas do partido e de suas bases eleitorais¿.

Ele lembra que com o fortalecimento do Campo Majoritário durante o governo Lula ¿ o partido chegou ao poder com 650 mil filiados, e hoje tem 840 mil filiados, num trabalho do grupo liderado por José Genoino, partidário de Lula e José Dirceu ¿ é provável, portanto, que ele continue predominando.

Uma mudança de rumos na economia, o ponto mais sensível dentro do partido, ¿dependerá do grau de insatisfação dentro do partido. Se até mesmo segmentos importantes do Campo Majoritário vislumbrarem riscos de perda de representatividade junto a setores relevantes do eleitorado petista caso se mantenha a política econômica, é possível que ela mude¿, avalia Paulo Roberto, apesar de, pessoalmente, não considerar provável, ¿dadas as expectativas de reeleição de Lula¿.

Um fator crucial para a determinação deste processo é o cenário eleitoral, diz Paulo Roberto. Em 2002, Lula pôde fazer um movimento em direção ao centro porque não havia alternativa mais à esquerda eleitoralmente consistente. ¿Em 2006, este cenário pode ter mudado, sobretudo se o PSOL efetivamente se consolidar e se a candidatura de Heloísa Helena ganhar espaço¿, analisa. Segundo ele, ¿pode ser que, por vias transversas, os dissidentes do PT consigam o que pretendiam: obrigar o governo petista a recuperar o discurso e a buscar efetivamente a implementação de um programa de governo mais petista¿.

O deputado Chico Alencar acha isso também, mas acredita em uma mudança apenas na campanha eleitoral. Ele acha que ¿o futuro do PT é uma incógnita¿, mas não crê em uma cisão maior até a disputa presidencial do ano que vem, quando haverá, segundo ele, uma polarização PSDB/PFL e o PT, ¿e Lula terá um discurso mais à esquerda, mais próximo de sua história do que da sua prática de governo¿.