Título: `A LIDERANÇA TEM UM CUSTO, NÃO É BOCA-LIVRE¿
Autor: Helena Celestino
Fonte: O Globo, 08/05/2005, O País, p. 13
Para brasilianista, é bom rivalidade na AL ficar pública
O Brasil entrou na rota dos líderes mundiais e isso é conseqüência do novo papel do país no mundo, diz o professor Kenneth Maxwell, do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Harvard. Brasilianista com um longo currículo, ele considera a explosão de rivalidades regionais inevitável diante da liderança brasileira na região, mas aconselha o governo Lula a atuar com inteligência. "É bom que a rivalidade fique pública e não aconteça só por baixo dos panos", diz.
Que importância o senhor acha que pode ter a Cúpula de Países Árabes e da América do Sul, esta semana, no Brasil?KENNETH MAXWELL: Não sei se vai sair uma coisa muito importante, mas são novas vozes na América Latina. É engraçado ver que não é apenas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva que está viajando pelo mundo, o Brasil também está sendo visitado por diversos líderes mundiais e entrando na rota de pessoas como o presidente da China e a secretária de Estado dos EUA. O Brasil sempre esteve fora deste tipo de discussões, acho que é um novo fenômeno, é uma indicação deste novo mundo em que o país está entrando. Não sei se coisas concretas vão acontecer, mas é importante.Como o senhor analisa as rivalidades regionais que vêm se acirrando com a política externa do governo do presidente Lula ?MAXWELL: O governo está saindo da retórica para a prática em termos de política externa e claro que isso provoca algumas reações, é inevitável que rivalidades explodam ao se passar das palavras para as ações. A liderança tem custo, não é uma boca-livre, cria situações inevitáveis como a intervenção do Brasil no Haiti, uma decorrência da nova posição do Brasil. Não é apenas conseqüência da política externa do presidente Lula, mas é resultado da emergência do Brasil como poder intermediário no mundo.Mas vale o custo de todas essas minicrises com México, Argentina, Equador...?MAXWELL: Não acho isso necessariamente ruim. É bom que se saia dessa idéia de que todos os países da América Latina são irmãos e têm posições iguais, o que claramente não é verdade. O México, por exemplo, jamais apoiou a Alca porque está satisfeito com as suas relações privilegiadas com os Estados Unidos por meio da Nafta. É bom que a rivalidade fique pública e não se dê apenas por baixo dos panos. A Argentina sempre buscou culpados de fora para seus próprios problemas. Agora culpa o Brasil, como antes reclamou dos Estados Unidos ou da Inglaterra. No fim, o Brasil e a Argentina vão se entender, é essencial que se entendam. Tudo isso é um pouco de retórica e uma reação diante da realidade do poder brasileiro.O que o senhor acha da pretensão brasileira de liderar a América do Sul?MAXWELL: O discurso da semana passada era contra a pretensão de o Brasil ser a potência hegemônica na região, não contra a liderança. Os brasileiros têm poder, sim, mas devem atuar com inteligência. A última coisa que devem fazer é usar os Estados Unidos como modelo, atuar com a mesma arrogância dos americanos.E como o senhor analisa a questão da candidatura brasileira a uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU? É outro ponto de conflito regional...MAXWELL: Eu não sei se vale a pena jogar tantas fichas nisso, mas esta é minha opinião pessoal. É claro que para Brasil, Alemanha e Índia é importante que o Conselho de Segurança da ONU represente a nova geopolítica e não fique parado no quadro do pós-Segunda Guerra. Compreendo isso. Mas a reputação da ONU no mundo está passando pelo seu momento mais difícil e não sei se o fato de o Conselho de Segurança aumentar o número de membros permanentes vai restaurar o prestígio deste organismo internacional. É uma questão estratégica: não sei se vale a pena o Brasil assumir os compromissos necessários para entrar no Conselho de Segurança da ONU.O que o senhor acha desse triângulo Brasil, Venezuela e Estados Unidos?MAXWELL: Acho que o Brasil vai ser muito importante para os Estados Unidos. O Brasil geralmente tem boas relações com países e pessoas com que os Estados Unidos não se relacionam bem, e isso é bom. O Brasil pode assumir um papel importante para mediar uma crise entre um e outro, não como testa-de-ferro dos Estados Unidos, mas agindo em nome de seus próprios interesses. Isso pode levar a mais contatos entre EUA e Brasil, é só ver como a nova secretária de Estado, Condoleezza Rice, apressou-se a visitar o Brasil. É claramente um sintoma de que os EUA têm de levar em conta o que o Brasil está pensando.O senhor acha que neste segundo mandato do presidente George W. Bush a América Latina vai receber uma atenção maior?MAXWELL: No primeiro mandato do presidente Bush a América Latina foi ignorada. Vai ser interessante ver se isso mudará. O problema é que quem toma conta da América Latina no Departamento de Estado ainda são as mesmas pessoas, uns cubanos-americanos que ainda estão voltados para a mini-guerra fria no estreito da Flórida. Só que agora, neste segundo mandato, a segunda pessoa mais importante do Departamento de Estado é o Robert Zoellick, que foi o representante de Comércio americano, e durante quatro anos ficou envolvido em discussões diárias com os brasileiros. Não sei se isso será bom ou mau, mas pelo menos sabe onde o Brasil está.