Título: UMA QUEDA-DE-BRAÇO QUE PARALISA A CÂMARA
Autor: Maria Lima e Isabel Braga
Fonte: O Globo, 08/05/2005, O País, p. 14

Severino se alia ao baixo clero e à oposição para derrotar o Planalto e líderes governistas obstruem a pauta

BRASÍLIA. Até o presidente da Câmara ri e faz ironia com a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que Severino Cavalcanti é seu aliado. O que se vê desde o dia 15 de fevereiro é uma troca de alfinetadas e lançamento de cascas de banana em direção ao Planalto e à Câmara. Um querendo deixar o outro em situação mais desconfortável. Enquanto Severino se alia à oposição, aos aliados insatisfeitos e ao baixo clero para impor derrotas ao governo, os líderes governistas obstruem sistematicamente as votações há mais de um mês, tentando impor ao presidente da Câmara o desgaste pela paralisia da Casa.

As conseqüências desta queda-de-braço estão sendo sentidas por todos os segmentos envolvidos na política: líderes partidários sem o que comandar; líder do governo e ministros sem voz e incapazes de articular votações polêmicas; prefeitos e governadores desesperados com a demora na votação de matérias importantes, como a reforma tributária; e deputados sem pauta para votar.

¿ Esta queda-de-braço poderia ser retratada pelo quadro ¿Os gladiadores¿, de Goya, que mostra dois lutadores sobre areia movediça. A cada golpe trocado, os dois se afundam mais e mais na lama. Só que não estão afundando sozinhos, vão levar muita gente junto ¿ compara o deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA).

Obstrução provoca desalento na Casa

O clima na Câmara é de desalento e baixo astral. Identificada e confirmada a estratégia de obstrução dos governistas, a preocupação é de que essa tentativa de arrumação leve a uma situação de risco institucional, com danos para a imagem do Legislativo. Os governistas argumentam que a normalidade depende também de Severino democratizar os procedimentos.

¿ Tínhamos que pisar no freio e botar tudo em ponto morto, contra a política do Severino do ¿eu faço, decido, eu opino, eu elaboro a pauta¿. A Câmara é um colegiado e só vai andar quando a pauta tiver legitimidade. O acordo para a votação da reforma tributária será o grande teste também de fidelidade ¿ diz o vice-líder do governo, Beto Albuquerque (PSB-RS).

Segundo líderes que participam das reuniões da base, o líder do governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP), está com os nervos à flor da pele por ter de comandar a estratégia da obstrução e lidar com as pressões e as infidelidades.

¿ Não vou aceitar que líderes da base me coloquem a faca no pescoço ¿ disse Chinaglia a um dos aliados.

Retenção de emendas complica vida do governo

Os aliados consideram que um elemento complicador é o comportamento da área econômica, ao segurar a liberação das emendas orçamentárias.

¿ A paciência está dando lugar à insatisfação. Enquanto o governo estava vendendo esperança, conseguimos aprovar tudo aqui, até taxação de inativos. Mas agora o quadro é muito preocupante ¿ diz o líder do PTB, José Múcio Monteiro.

Braço direito e um dos gurus de Severino Cavalcanti, o líder do PP, José Janene (PR), diz que a obstrução do governo tem objetivo de minar politicamente Severino, mas diz que é também porque não tem votos para aprovar as medidas provisórias que trancam a pauta.

¿ Estamos tentando ajudar o governo, mas se eles não ajudam, não tem jeito. Não temos condições de saber o que o governo quer. Fizemos quatro reuniões nos últimos dias e ninguém no governo sabe direito o que se passa na Câmara ¿ diz Janene.

Perguntado sobre quem está vencendo a disputa, Severino ironiza:

¿ O presidente Lula não disse que é meu amigo para o Brasil inteiro ouvir? Não me convidou esta semana para tomar café da manhã e conversar? Como vou guerrear com ele?