Título: PRESOS RICOS CONSTROEM CASA EM PRESÍDIO
Autor: Letícia Lins
Fonte: O Globo, 08/05/2005, O País, p. 18
Juiz interditou residência sem grades onde moravam dois empresários e um contador detidos em Pernambuco
RECIFE. Nem todos são iguais perante a lei nos presídios pernambucanos. Embora os 7.937 presos recolhidos ao sistema penitenciário na região metropolitana devam ser tratados da mesma forma, os detentos de maior poder aquisitivo desfrutam de regalias que vão de casas com jardins à ausência de grades em suas janelas. Pelo menos é o que ocorre no Centro de Triagem e Observação Criminológica Professor Everardo Luna (Cotel), onde o juiz substituto da Vara de Execuções Penais, Adjair Francisco de Assis Júnior, interditou a residência que servia a empresários que respondem por crimes de assassinato, sonegação fiscal e formação de quadrilha, entre outras acusações.
¿ Se não interditássemos, todos os presos achariam que podem fazer a mesma coisa. O Cotel viraria um conjunto habitacional ¿ justificou o magistrado ao decidir que os privilegiados deveriam se juntar a outros 23 com direito a prisão especial entre os 717 que se encontram no Cotel.
¿Detentos de primeira e de segunda categoria¿
Ele tomou a iniciativa depois de receber denúncias contra as regalias por parte do Movimento Nacional de Direitos Humanos, do Conselho da Comunidade e do Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões que acusaram ¿privilégio para presos em boa situação financeira¿, quando o Estado tem ¿obrigação de priorizar a igualdade de direitos¿. O Ministério Público também se manifestou contra a iniciativa. E o Gabinete de Apoio Jurídico às Organizações Populares (Gajope) acusou o estado de estar dividindo a população carcerária em ¿detentos de primeira e de segunda categoria¿.
A polêmica começou quando os movimentos descobriram que os empresários Eudes Teixeira Carvalho Júnior e Gilmar Tenório e o contador Armando Pontes, em vez de estarem em celas, encontravam-se em uma residência construída por Tenório no interior do Cotel, com direito a jardim com coqueiros e janelas sem grades. Carvalho é dono da franquia de lanchonetes Habib's em Recife e é acusado de ter mandado matar o engenheiro Francisco Batista de Souza, de 35 anos, funcionário de uma construtora. Tenório é dono da Construtora GC Tenório e responde por crime de sonegação fiscal e formação de quadrilha, assim como o seu contador, Armando Pontes. Os três, em vez das celas utilizadas pelos outros presos, moravam na residência que foi construída com dinheiro de Carvalho, fato encarado como normal pelo secretário de Defesa Social de Pernambuco, João Braga, e pelo próprio governador Jarbas Vasconcelos (PMDB).
Braga afirmou que os presídios pernambucanos estão lotados, assim como o Cotel. Justificou que o detento Carvalho se prontificou a construir, o que foi aceito pelo governo:
¿ Nada foi feito debaixo dos panos nem contra a lei. Quando o preso pode pagar, não vejo problema ¿ disse o secretário em entrevista durante visita ao Cotel.
Ele disse que os quartos da casa servirão para outros presos com direito a cela especial, já que os atuais ocupantes deverão ainda neste semestre ser removidos para presídios comuns enquanto aguardam julgamento. O governador também minimizou o caso.
¿ O que existe é uma casa de presos temporários, que pediram um espaço maior porque o Cotel está superlotado. O preso comum não tem condições de fazer isso, o rico tem e assim foi feito ¿ afirmou Jarbas Vasconcelos.
João Braga pretendia desinterditar a casa utilizada pelos empresários. Ele disse que na última terça-feira enviaria um ofício ao juiz das Execuções Penais solicitando liberação do imóvel, mas não o fez. E evita falar sobre o assunto.
¿O que ocorre no Cotel é absolutamente imoral¿
Ao retornar de férias, o juiz titular da Vara das Execuções Penais, Adeildo Nunes, informou que a decisão judicial anterior de interdição da casa permanece. E disse que a medida só voltará a ser analisada por solicitação do governo do estado:
¿ O princípio da moralidade pública tem que ser preservado e, do ponto de vista ético, o que ocorre no Cotel é absolutamente imoral. E a imoralidade reside no fato de se tratar de forma diferente pessoas nas mesmas condições, dando-se privilégio a uns e a outros não. Os 26 que têm direito a prisão especial porque têm cursos superiores teriam de ser tratados da mesma forma. A decisão de dar privilégios a certos presos é equivocada e imoral.
Ele destacou, no entanto, que a Lei das Execuções Penais (a 7210 de 11/07/84) dá direito aos estados de legislarem em assuntos como construção e administração de presídios.