Título: SEGURANÇA FORA DA LEI
Autor: Elenilce Bottari
Fonte: O Globo, 08/05/2005, Rio, p. 20

Sessenta mil homens, o dobro da tropa da PM, atuam ilegalmente como vigilantes no estado

Se por um lado a violência no Rio vem afugentando investimentos, por outro movimenta uma indústria cada vez mais lucrativa. A segurança privada regular lucrou no estado só em 2002, segundo dados do IBGE, R$591 milhões, excluídos R$351 milhões gastos com remuneração. Mas este valor pode ser muito maior. Ainda de acordo com o IBGE, em 2002 as empresas em situação regular empregaram 46.055 pessoas. A estimativa de sindicatos de policiais e de empregados nessas firmas, além da Comissão Contra a Impunidade da Alerj, é de que exista hoje no Rio um exército de 60 mil homens trabalhando no setor ilegalmente.

Segundo levantamento feito pelo Sindicato dos Vigilantes e Empregados em Empresas de Segurança, de Vigilância e de Transporte de Valores do Rio (Sindverj), a atividade ilegal hoje responde por 100% da segurança de rua e mais de 90% dos serviços prestados em empresas rodoviárias, shoppings e casas noturnas, além de controlar as máfia dos transportes e dos caça-níqueis. Para a segurança do estado, o efetivo de rua da PM é de 31 mil homens, divididos na maioria em turnos de 24 horas de trabalho por 48 horas de descanso ou 24 horas por 72.

Apesar de ser uma atividade ilegal (só o estado tem competência para cuidar da segurança pública), a falta de efetivo está levando contribuintes a pagarem pelo serviço. É o caso da Barra da Tijuca, onde, segundo o presidente da Câmara Comunitária da Barra, Delair Dumbrosck, o policiamento privado é feito por um efetivo quatro vezes maior que o do 31º BPM (Barra). Segundo dados de novembro de 2004 da Secretaria de Segurança, o batalhão tem 409 homens.

¿ Na prática, a segurança do Rio foi privatizada ¿ afirmou o deputado Carlos Minc (PT), da Comissão Contra a Impunidade da Alerj. ¿ A segurança está mal dimensionada, mal paga e malformada. Ou seja, o efetivo não é suficiente para garantir a segurança pública e os policiais, mal treinados e ganhando mal, estão morrendo no trabalho clandestino

Índice dos que fazem `bico¿ chega a 80%

Segundo o parlamentar, somando bombeiros, policiais militares e civis, o estado emprega 75 mil homens. Destes ¿ de acordo com dados das associações de classe e com depoimentos de comandantes de batalhões em audiências públicas na Alerj ¿ 80% fazem ¿bico¿ durante as folgas.

O policiamento fora da lei vem deixando um rastro de homicídios no estado. Nos primeiros quatro meses do ano, foram assassinados 50 policias. Em 90% dos casos, eles morreram durante o ¿bico¿, fazendo segurança clandestina para completar o orçamento. As investigações da chacina ocorrida em 31 de março em Nova Iguaçu e Queimados também apontam para uma possível retaliação devido a esquemas de segurança privada na região. Nos últimos meses, as guerras pelo controle de vans e de caça níqueis na Zona Oeste e em São Gonçalo causaram pelo menos uma dezena de mortes. Na maioria dos casos, havia policiais militares entre vítimas ou agressores.

Segundo o tenente Melquisedec Nascimento, da Associação dos Militares, Auxiliares e Especialistas (Amae), apesar dos índices de violência e dos riscos para a tropa, os salários dos policiais no Rio estão entre os mais baixos do país.

¿ No ano passado, morreram 130 policiais. Este ano, o número pode chegar a 150. O policial não gosta de fazer ¿bico¿, mas é obrigado a se arriscar para sustentar a família. E o policial não tem nem condições de treinar. Falta tempo, falta recurso e falta legislação. Enquanto nos Estados Unidos a lei obriga o policial a treinar mil tiros, no Brasil o limite é 50. E a mesma munição aqui custa 16 vezes mais do que lá ¿ afirmou Melquisedec.

Mesmo nas empresas de segurança há vigilantes em situação irregular. Segundo o titular da Delegacia de Segurança Privada, da Superintendência de Polícia Federal do Rio, delegado federal Ângelo Gioia, muitas empresas utilizam homens que não estão em seus quadros. E muitas vezes, eles sequer têm o curso obrigatório de vigilante. A delegacia é responsável pela fiscalização de todo o setor de segurança privada no Rio:

¿ Nós estamos fazendo operações de fiscalização em condomínios, shoppings, casas noturnas, bancos e empresas de segurança. Em muitos casos, constatamos que parte dos vigilantes é registrada como determina a legislação. Mas há também aqueles que na verdade estão ligados a empresas de serviços. Em um shopping da Barra, verificamos que havia dezenas de porteiros fazendo segurança ¿ contou o delegado.

Na madrugada de sexta-feira, a Polícia Federal realizou mais uma operação de fiscalização em casas noturnas do Rio. Segundo o delegado federal Alcir Vidal, que comandou a ação, as casas tinham contratos de segurança com empresas legalizadas, mas a maioria dos seguranças não tinha registro em carteira e alguns sequer haviam feito curso para vigilante:

¿ Nesses casos, as casas noturnas estavam em situação regular, mas as empresas de segurança desobedeceram à lei. Elas serão autuadas. Há muitos clandestinos trabalhando para empresas em situação regular, principalmente em eventos.

Na última sexta-feira, Minc, o deputado federal Jorge Bittar (PT-RJ) e 23 presidentes de entidades de policiais militares e bombeiros tiveram audiência com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e com o Secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Fernando Pessoa. Entre as propostas acordadas no encontro, estão a criação de um piso nacional para a venda de parte das folgas para o próprio estado e a criação de percentuais mínimos de verbas para a segurança pública, como já existe na Constituição para a saúde e a educação.

A proposta de verba mínima será levada também ao ministro da Fazenda, Antônio Palocci. Já para a implantação de um piso nacional, parte dos recursos sairia do Fundo Nacional de Segurança Pública.