Título: MÃES DE ACARI: UM PARTO QUE JÁ DURA 15 ANOS
Autor: Paula Autran
Fonte: O Globo, 08/05/2005, Rio, p. 21
Precursoras da luta de vítimas da violência, Marilene e Vera ainda buscam notícias das filhas e inspiram livro
Este Dia das Mães será mais um na vida de Marilene Lima e Souza, de 53 anos, e Vera Lúcia Leite Flores, de 55. Às vésperas de o desaparecimento de suas filhas ¿ Rosana de Souza Santos, de 18 anos, e Cristiane Souza Leite, de 17 ¿ completar 15 anos, essas Mães de Acari já não se levantam mais com a esperança de abraçá-las. O que as mantém vivas é a obstinação de descobrir o que aconteceu e achar seus corpos. As duas jovens estavam no grupo de onze adolescentes seqüestrados em um sítio em Magé, possivelmente por policiais militares, no dia 26 de julho de 1990. Tanto empenho fez com que essas mães gerassem outros filhos.
¿ O primeiro grupo foi ¿Mães da Cinelândia¿. Depois surgiram outros, como as ¿Mães da Praça da Sé¿, as ¿Mães de Mãos Dadas contra a Impunidade¿, as ¿Mães Solidárias¿, a ¿Associação de Familiares e Amigos de Vítimas de Violência¿ e as ¿Mães com filhos em conflito com a lei¿ ¿ enumera o jornalista Carlos Nobre, que lança em julho seu segundo livro sobre o caso, ¿Mães de Acari ¿ Uma história de protagonismo social¿, da Editora Pallas. ¿ As Mães de Acari contribuíram politicamente para que os parentes de vítimas de violência se organizassem em todo o Brasil, principalmente no Rio, em busca da paz social e da melhoria da qualidade da ação policial.
Ninguém foi condenado pelo seqüestro dos jovens
Marilene e Vera são as mais atuantes das onze Mães de Acari ¿ Edméia da Silva Eusébio, que estava com elas na linha de frente das investigações, foi morta a tiros próximo à estação Praça Onze do metrô em janeiro de 1993, depois de sair do presídio Hélio Gomes, onde fora visitar um preso que dizia ter informações sobre o crime. Elas estiveram na França a convite da primeira-dama, Danielle Mitterrand, em 1994; viajaram para outros sete países da Europa, num tour político patrocinado pela Anistia Internacional, em 1996; ajudaram a levar para o horário nobre, na novela ¿Explode coração¿, de Glória Perez, a temática dos desaparecidos, em 1996. Ainda assim, até hoje não encontraram os corpos dos filhos. Nem culpados: ninguém foi condenado pelo seqüestro dos onze jovens. Depois disso, outras chacinas foram praticadas no estado ¿ a mais grave delas há pouco mais de um mês, quando 29 pessoas foram mortas na Baixada por um grupo de policiais.
¿ Nós fomos as mais abusadas. Saímos dos nossos empregos e passávamos os dias atrás de pistas. Mas a sociedade achava que eles tinham que morrer mesmo ¿ relembra Vera, uma vez que a maioria dos jovens desaparecidos morava na favela e três deles estariam envolvidos com roubo de cargas de caminhões, o que teria motivado o crime, cometido supostamente por policiais. ¿ Quero esquecer este caso em cima de um móvel, mas não consigo. Esperança de encontrá-los vivos a gente realmente não tem. O que eu tinha com a minha filha era tão forte que não posso acreditar que ela esteja viva e não apareça para aliviar a minha dor. Não quero nem pensar que vou morrer sem saber o que houve.
Marilene completa:
¿ Precisávamos ao menos de um dedinho para fazermos o DNA e não vivermos mais com dúvidas e expectativas. Há dois anos, um detetive quis saber se tínhamos dados novos. Mas não somos nós que temos que ter dados novos!
A mobilização continua. Vera e Marilene aparecerão num clipe de uma música feita por Marcelo Yuka para um primo desaparecido. Uma das filhas de Vera, Aline, hoje com 22 anos, escreveu um livro de poesias em que aborda como viu o caso quando era criança.
¿ Se eu não tivesse outros filhos, não teria agüentado ¿ diz Vera, mãe de mais duas moças e de um rapaz.
¿ O Dia das Mães nunca mais foi o mesmo. Aquele espaço na mesa vai estar sempre vazio ¿ acrescenta Marilene, que tem quatro filhos e, separada do marido, encontrou ao menos um conforto na dor. ¿ Perdi uma filha, mas ganhei uma irmã. Viramos uma família.