Título: TERRORISMO EM DISCUSSÃO
Autor: Eliane Oliveira e Renato Galeno
Fonte: O Globo, 09/05/2005, O País, p. 3

Países árabes querem que texto final da cúpula em Brasília exclua defesa nacional

O terrorismo é o principal ponto de tensão nas discussões entre os ministros das Relações Exteriores da América do Sul e do mundo árabe no encontro em Brasília que reúne, pela primeira vez, os líderes das duas regiões. Os representantes do Líbano e da Palestina, com o apoio da Venezuela, querem que no texto final seja incluído uma ressalva, excluindo atos de defesa nacional da categoria terrorismo. Os demais países da América do Sul não concordam com a inclusão. O assunto deve ser retomado hoje no encontro de chanceleres, já que na reunião de ontem, com altos funcionários dos países sul-americanos e árabes, preferiu-se não se tratar do tema, pelo seu conteúdo explosivo.

Esses são encontros preparatórios da Cúpula América do Sul-Países Árabes, que começa oficialmente amanhã. A ausência de uma definição internacionalmente aceita de terrorismo e a insistência dos países árabes para que sejam incluídas no texto exceções, como a resistência palestina à ocupação israelense, impedem que o documento ¿ escrito cuidadosamente com base em resoluções das Nações Unidas ¿ seja totalmente fechado.

Diante do impasse, a tendência é que os participantes da cúpula cobrem, na declaração que será assinada quarta-feira pelos 17 chefes de Estado e de governo, incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma definição da ONU. Ou seja, alertará para a necessidade de uma conferência para tratar do assunto.

EUA pressionam por condenação total

Desde que o encontro entre os líderes das regiões foi anunciado, o governo americano ¿ e, em menor grau, a União Européia e o Japão ¿ pressionou para que o documento final da reunião contivesse um condenação a qualquer forma de terrorismo. Mas houve uma reação de vários países, principalmente árabes.

Aceitar a condenação geral tal como quer Washington poderia legitimar a posição do governo israelense e ameaçar a estabilidade de países como o Líbano, onde um dos principais atores políticos ¿ a organização Hezbollah ¿ é considerado um grupo terrorista pelos EUA. Entretanto, uma recusa de se mencionar o problema do terrorismo no mundo pós-11 de setembro pode enfraquecer o pleito brasileiro a uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU.

O que se comentava ontem nos bastidores do encontro é que o texto deverá no máximo condenar o terrorismo de forma genérica. No entanto, funcionários da Autoridade Nacional Palestina afirmavam que já fora alcançado um consenso e que, junto com a condenação, haverá uma ressalva no caso de uma ocupação estrangeira. Assim, segundo a ANP, o povo teria o direito legítimo de resistir.

¿ No final chegou-se a um texto de consenso, aceitável para todos e que é lógico. A resistência é legítima quando existe uma invasão territorial por parte de outro país ¿ disse o assessor presidencial palestino Hussein Abdeljaliq.

Texto de chanceleres não foi alterado

Por outro lado, fontes do governo brasileiro garantiram que nada foi alterado no texto esboçado pelos chanceleres reunidos há cerca de um mês no Marrocos, na reunião preparatória da cúpula. O assunto, porém, poderá voltar à tona na reunião de ministros das Relações Exteriores, hoje, ou mesmo na dos chefes de Estado e de governo, terça e quarta-feira, caso surjam novas pressões para mudanças na Carta de Brasília.

Os chefes de Estado e de governo, junto com os chanceles e outros líderes de delegações que falarão em nome de seus países, começam a chegar hoje em Brasília, entre eles o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas.