Título: JOVENS DESCOBREM PRAZER DE COLECIONAR LIVROS
Autor: Letícia Helena
Fonte: O Globo, 08/05/2005, Rio, p. 30

Além de freqüentar sebos, adolescentes encomendam obras antigas e participam de leilões literários pela internet

Às vésperas de completar 15 anos, a estudante Maria Rita de Castro Palhano pediu à mãe um presente inusitado: queria um exemplar de "O cavalinho azul", de Maria Clara Machado, dos anos 60, autografado pela autora, que encontrara num sebo da cidade. Com isso, realizaria dois desejos. Teria uma edição original do primeiro texto que leu na vida e ainda aumentaria sua coleção de livros antigos. Maria Rita mal conhece a palavra, mas faz parte da jovem geração de bibliófilos que vem crescendo na cidade. Como ela, crianças, adolescentes e gente que ainda não chegou aos 30 dedicam tempo e disposição a garimpar livros em sebos, feiras e brechós. E o que parecia um hobby da terceira idade está ganhando um frescor inesperado.

- Além de "O cavalinho azul", minha mãe mandou restaurar um "Marcelo, marmelo e martelo", de Ruth Rocha, de 1976, que encontrou em uma caixa com brinquedos. Fiquei emocionada. Vou guardar para os meus netos - diz Maria Rita, que está aproveitando uma viagem de 15 dias aos Estados Unidos para buscar livros infantis em inglês em sebos. - Já encomendei pela internet, na França, um exemplar da década de 50 de "O pequeno príncipe". Chegou direitinho - orgulha-se.

Garotos garimpam obras de terror em sebos

O entusiasmo da adolescente contagiou o irmão mais novo, Rodrigo Palhano, de 13 anos, que, há pouco mais de seis meses, iniciou uma biblioteca de livros de terror das décadas de 50 e 60. Os amigos Patrick de Castro Amaral e Eduardo Souza Neto, ambos de 14, resolveram embarcar na onda e, hoje, o trio considera uma "enorme aventura" ir de ônibus da Barra da Tijuca ao Centro da cidade para buscar raridades em sebos.

- É engraçado pegar um livro e imaginar quantas pessoas o leram. E a internet ajuda à beça: já participei de diversos leilões literários - conta Rodrigo, que já tem 50 obras antigas.

De olho nesse mercado, as sócias do ateliê Imaginarte, Lucca e Gabriela Malta, estarão na Bienal do Livro mostrando para a garotada a importância da preservação de uma obra antiga.

- Um livro atravessa séculos. Quando a garotada percebe isso, fica fascinada, mesmo num mundo em que tudo é tão efêmero - diz Lucca.

Lobato é um sucesso entre colecionadores

Coleção original da obra infantil do autor pode custar R$500

Autor da frase "Um país se faz com homens e livros", Monteiro Lobato ficaria orgulhoso em saber que edições originais de seus 17 livros infantis - com Pedrinho, Narizinho, Emília e demais moradores e visitantes do Sítio do Picapau Amarelo - estão entre as obras favoritas dos jovens bibliófilos. Uma coleção de época, bem conservada, pode chegar a custar R$500 num sebo. E foi justamente a partir do mundo encantado de Lobato que o futuro médico Renato Lombardo Barbosa, de 22 anos, ingressou no fantástico universo da bibliofilia.

- Quando fiz 10 anos, meu avô me deu uma coleção do Lobato restaurada e me disse que fora um dos primeiros livros que lera na vida. Os 17 volumes passaram de mão em mão por toda a família. Meu pai aprendeu a ler com "Caçadas de Pedrinho". E, de repente, aquele universo estava nas minhas mãos. É uma herança e tanto. Morro de ciúmes dos meus livros - conta Renato, que, de Lobato para cá, já reuniu mais 200 volumes, em sua maioria de escritores brasileiros do século XIX e da primeira metade do século XX.

Coleção de livros raros e dicionários antigos

São obras que também empolgam o hoteleiro Bruno Távora, de 26 anos. Ele não disfarça a emoção ao listar algumas raridades de sua coleção, como primeiras edições de "Recordações do escrivão Isaías Caminha", o primeiro romance de Lima Barreto, de 1909; de "História Geral do Brazil", de Francisco Adolpho Varnhagen, de 1854; e de "Minha formação", as memórias de Joaquim Nabuco, de 1900. Sem falar nos dicionários: Bruno tem cinco estantes em casa somente com este tipo de livro.

- Minha mãe é professora de literatura e, xeretando na biblioteca dela, descobri algumas preciosidades como primeiras edições de Manuel Bandeira e Gilberto Freyre. A partir daí, comecei a colecionar. Quando viajo, também corro atrás de livros antigos. Tenho muita coisa, por exemplo, da Comédia Francesa do século XVIII - diz Bruno, que caça obras raras em cinco idiomas: português, francês, inglês, alemão e espanhol. - Engraçado é que brasileiro adora colecionar qualquer coisa, mas ainda não descobrir o valor dos livros como objetos de arte.

Para Lucca Malta, que dá aulas de conservação e restaura livros, aos poucos, os brasileiros, principalmente os mais jovens, estão começando a descobrir este valor:

- Desde pequenas, as crianças estão entendendo que é preciso cuidar de seus livros, para que mais pessoas possam usá-los. Tanto que estamos pensando em fazer uma colônia de férias só com livros - conta ela.

Legenda da foto: AULA DE restauração para crianças: irmãs planejam colônia de férias