Título: O remédio é se associar
Autor: Valderez Caetano e Fabiana Ribeiro
Fonte: O Globo, 08/05/2005, Economia, p. 35
Consumidores se unem e conseguem reduzir preços de medicamentos em até 78%
Cansada de esperar por uma ação mais efetiva dos governos para baixar os preços dos medicamentos ou aumentar o acesso grátis a eles, a população vem buscando arranjos criativos para comprar e vender remédios mais baratos. Consumidores estão se organizando em associações em diversas regiões do país - como Rio, Distrito Federal, São Paulo, Paraná, Mato Grosso e Goiás - e já compram produtos até 78% mais baratos do que nas drogarias tradicionais.
É o caso dos cerca de cem associados da Associação Brasileira de Asmáticos (Abra), com sede no Rio. Numa parceria entre a entidade, a rede Farmalife e o laboratório Merck, os associados compram o Singulair por R$58 na drogaria. Com nota fiscal e receita médica nas mãos, retiram na Abra outra caixa do medicamento. Ou seja, cada uma acaba saindo por R$29. Detalhe: não-associados à Abra pagam pelo mesmo remédio até R$134,21 nas farmácias.
- Essa parceria permite que muitas pessoas tenham acesso ao tratamento de asma - diz Fátima Emerson, presidente executiva da Abra, que ainda oferece aos associados amostras grátis de remédios de sete laboratórios.
Com apoio da Abra, a psicóloga Aledijane Sotero Gomes obtém, há um ano, o Singulair com desconto para seu filho Gustavo, de 15 anos. E há cinco anos, ele também tem acesso a amostras grátis de laborátórios.
- Se colocasse no papel a economia que fiz, eu poderia ter comprado dois carros populares.
Novas opções já são 25% do consumo
Um outro arranjo foi feito pelas farmácias filiadas às chamadas Redes da Economia. Elas são uma espécie de consórcio, orientado pelo Sebrae, que por comprarem juntas grandes estoques ganham em escala e conquistam o privilégio de vender medicamentos 15% mais baratos que a média do mercado.
Segundo o Ministério da Saúde, estas associações e consórcios (que precisam de autorização das vigilâncias sanitárias nacional ou estaduais e de um farmacêutico responsável), somados à oferta de produtos genéricos e às farmácias populares do governo federal, já representam 25% do mercado nacional de medicamentos: em torno de R$7 bilhões por ano.
- São saídas simples. A única coisa que muda é a forma de relação entre compra e venda - disse o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do ministério, Dirceu Barbano.
- Enquanto houver esse tipo de arranjo, vamos apoiar, mas sempre que prevalecerem as normas sanitárias - endossou o secretário Executivo da Câmara de Medicamentos, Luiz Milton Veloso.
A Associação de Defesa dos Consumidores e Usuários de Medicamentos (Adcum) é uma das três entidades do gênero instaladas no Distrito Federal. Depois de quatro anos de funcionamento, a Adcum já tem 30 mil associados e cerca de 120 mil usuários (se considerado o benefício à família). Instalada na Asa Norte, bairro de classe média de Brasília, a entidade funciona sem qualquer luxo. O mobiliário é simples, apenas um balcão de atendimento, mas o telefone não pára de tocar. Dezenas de pessoas entram e saem para entregar pedidos ou pegar os medicamentos.
Foi do aposentado Francisco Tadeu de Moraes, ex-funcionário e ex-dono de farmácia durante mais de 30 anos, a idéia de fundar a Adcum. O segredo para vender mais barato é manter uma estrutura enxuta, sem balcões ou prateleiras, com compras diretas da distribuidora a cada leva de pedidos, o que elimina a necessidade de estoques.
A entidade não tem fins lucrativos. O dinheiro cobrado dos sócios (R$30 por ano) é usado para pagar água, luz, aluguel, telefone e pró-labore para as seis pessoas que trabalham na Adcum. A economia média é de 27% em relação às farmácias tradicionais.
Associado à Adcum, o casal Maria Emília, de 74 anos, e Jomar, 75, gastava em medicamentos por mês R$213,01. A filha do casal descobriu a associação e agora gastam R$153,56. Em um ano, farão economia de R$713,40. Quando necessário, eles também adquirem medicamentos para os parentes. O casal tem quatro filhos, 16 netos e dois bisnetos.
- Nem acreditei quando a minha filha me contou a diferença de preços - disse Maria Emília, que se desloca do outro extremo da cidade, o Lago Sul, para comprar os medicamentos.
Um outro ex-funcionário de farmácia, Valdir Pereira de Souza, criou e é presidente da Associação dos Consumidores de Medicamentos de Goiânia (Acemed). Na capital de Goiás, ainda há outras três associações de medicamentos. A Acemed foi criada há dois anos e tem hoje 48 mil beneficiários. Segundo ele, a associação tem um efeito multiplicador, na medida em que obriga as farmácias a baixarem os preços.
- Não é só obrigação do governo, mas da sociedade, lutar por isso - disse Pereira, contando que recebe por mês um pró-labore de R$600.
GOVERNO: OLIGOPÓLIO AINDA DOMINA MERCADO, na página 36
INCLUI QUADRO: CONHEÇA ALGUNS EXEMPLOS DE COMPARAÇÕES