Título: MULTINACIONAIS CRESCEM COM SOTAQUE BRASILEIRO
Autor: Patricia Eloy
Fonte: O Globo, 08/05/2005, Economia, p. 39

De financeiras a montadoras, cada vez mais empresas preferem executivos verde-e-amarelos

O tempero brasileiro está em alta nas multinacionais. Hoje, ter um executivo made in Brazil à frente dos negócios faz parte da receita de sucesso de algumas empresas estrangeiras para conquistar lucros e avançar no mercado local. Em solo verde-e-amarelo, saem de cena estrangeiros e - em muitos casos, pela primeira vez - a linha de frente passa a ser ocupada por um brasileiro. A lista não pára de crescer: vai do banco inglês HSBC à italiana Fiat, passando pelas americanas Chubb Seguros e Mellon Serviços Financeiros. A inovação e criatividade dos brasileiros nunca foram tão valorizadas.

O brasileiro Cledorvino Belini tornou-se este ano o primeiro presidente brasileiro da Fiat do Brasil. E, no primeiro trimestre do ano, a Fiat Automóveis alcançou a liderança do mercado brasileiro de automóveis. Já o economista Acácio Queiroz substituiu, em janeiro de 2005, o colombiano Luis Fernando Mathieu à frente da seguradora Chubb do Brasil, subsidiária da Chubb Corporation.

Hiperinflação deu jogode cintura a executivos

O paulista Emilson Alonso engorda a lista: no ano passado, aos 49 anos, tornou-se o primeiro presidente brasileiro do banco inglês HSBC no país. A mudança no comando levou o HSBC a uma estratégia mais agressiva junto à concorrência - com abertura de agências em horário estendido e aquisição de financeiras - que fez o lucro da instituição dobrar em 2004, atingindo o recorde histórico de R$526,5 milhões.

Mas o que é que o brasileiro tem? Segundo os próprios executivos e headhunters, o domínio da língua, da legislação e da tributação do país faz com que tenham larga vantagem sobre os estrangeiros.

- Isso facilita a gestão da empresa e não seria possível com um executivo estrangeiro à frente dos negócios - acredita Patricia Molina, diretora da consultoria KPMG.

Outro "item de fábrica" dos brasileiros bastante valorizado nas multinacionais é, na verdade, um efeito colateral das economias emergentes. A facilidade de adaptação às mudanças de cenário, a rapidez na reavaliação de planos e a agilidade na tomada de decisões eleva o passe dos brasileiros.

- São todos sintomas de quem vive em um país em desenvolvimento e, portanto, com volatilidade nos mercados e mudanças de regras. São características que americanos e europeus, por viverem em economias estáveis, não têm - avalia Roberto Machado, diretor da empresa de recolocação de executivos Michael Page.

Aos 37 anos, o economista José Carlos de Oliveira é o primeiro presidente brasileiro da Mellon Serviços Financeiros, braço do centenário grupo americano no país. A empresa não divulga números, mas deixou para trás anos de prejuízo e passou a registrar lucros elevados na gestão de Oliveira. Para ele, ser brasileiro fez a diferença:

- Viver em um cenário de hiperinflação, como a maioria dos executivos brasileiros viveu, nos dá versatilidade e criatividade para lidar com as marés do mercado - diz ele, que tem passagens pelos bancos Garantia e Icatu e assumiu a presidência da Mellon em 2003.

Belini, da Fiat, faz coro:

- A experiência de viver em um país que já esteve próximo da hiperinflação e que ainda enfrenta turbulências cria um perfil necessariamente empreendedor para os gestores brasileiros - atesta Belini.

Expatriados saem maiscaro do que brasileiros

O economista Acácio Queiroz, presidente da Chubb do Brasil, enumera as vantagens:

- Você sai na frente: conhece o mercado, os indicadores econômicos que fazem a diferença para o seu negócio. E um executivo competente que conheça esse ambiente legislativo e tributário do país saberá como conduzir os negócios de forma mais produtiva.

Além do "jeitinho brasileiro", a questão financeira também faz diferença na hora da escolha do executivo, já que os gastos com expatriados é elevadíssimo.

- O pacote inclui, além da transferência, custos com as caríssimas escolas dos filhos (normalmente americanas ou inglesas), transporte da família, passagens para que o executivo e sua família visitem o país de origem algumas vezes no ano, segurança e moradia. Como hoje a globalização fez com que os profissionais brasileiros tenham formação similar à dos expatriados e, a um custo bem mais baixo, eles acabaram em alta nas empresas - diz Machado, da Michael Page.

Período de adaptação

Profissionais também enfrentam dificuldade

Nem tudo são flores na vida dos executivos brasileiros. Entrar numa multinacional significa adaptar-se aos hábitos estrangeiros, o que nem sempre é fácil.

- Há grandes diferenças culturais: somos expansivos e impulsivos, gostamos de interagir, sem esperar que os outros concluam o raciocínio, o que os estrangeiros não gostam nem entendem - diz José Carlos Oliveira, da Mellon.

Do outro lado, também há dificuldades. Acácio Queiroz, da Chubb, lembra que seu antecessor, colombiano, não se adaptou à vida em São Paulo e acabou deixando o cargo.