Título: A DINASTIA
Autor: Felipe Awi
Fonte: O Globo, 08/05/2005, Esportes, p. 47

Com os três filhos agindo no Vasco, Eurico Miranda encontra a fórmula de perpetuar o sobrenome e a administração autocrata

No Congresso Nacional, Eurico Miranda tornou-se fiel aliado de Severino Cavalcanti, então seu correligionário e companheiro de baixo clero. Em 2002, o atual presidente da Câmara dos Deputados foi o maior responsável pelo arquivamento do pedido de cassação de mandato do presidente do Vasco. Do protetor, Eurico herdou, além de uma dívida de gratidão, o hábito de empregar parentes. Seus três filhos homens desempenham, remuneradamente ou não, alguma função no Vasco, num prenúncio de que, ao completar 20 anos na diretoria do clube, o dirigente encontrou nos seus descendentes a fórmula de se perpetuar no poder.

Acusado por seus críticos de fazer do Vasco um feudo particular, Eurico distribuiu cada um em setores estratégicos do clube. O mais próximo dele é Eurico Ângelo, o Euriquinho, que vem ajudando o pai no comando do futebol e ainda dá assessoria jurídica. O mais novo entre os homens, Álvaro, trabalha nas divisões de base. Ex-jogador de basquete do Vasco, é técnico do time mirim - não de basquete, mas de futebol. Mário Ângelo, o mais velho, participa ocasionalmente de decisões da diretoria, mas já teve cargo alto no clube. Eurico afirmou que não falaria sobre o assunto "no momento", tampouco seus filhos.

Euriquinho, de 27 anos, não herdou do pai apenas o nome, mas a profissão e o temperamento explosivo. Advogado, gosta de um confronto verbal. Como Eurico, ocasionalmente entra em campo no meio do treino para conversar com jogadores e tem acompanhado o pai em reuniões com empresários. Não costuma falar muito, como se estivesse aprendendo. Mas já negociou diretamente a venda do atacante Ânderson e, no início do ano, tentou contratar Aloísio Chulapa. Faz também as vezes de corneteiro, criticando jogadores e técnicos, mas suas opiniões têm força nos ouvidos do presidente, de quem é uma espécie de braço direito. É, de longe, o que tem mais perfil para substitui-lo.

Desafeto de Roberto Dinamite desde cedo

Álvaro, de 26 anos, formou-se em educação física. Depois de desistir do basquete, foi dar expediente no campo do Cefan, cedido pela Marinha para as divisões de base do Vasco. Na época de atleta, ele já mostrava semelhanças com o pai. Arrumou algumas confusões em quadra e já foi fotografado fazendo gestos obscenos para a torcida do Flamengo. Nunca esteve tão exaltado publicamente quanto no dia em que seu pai se reelegeu presidente em 2003. Acompanhado de amigos e seguranças, desentendeu-se com correligionários do adversário de Eurico, Roberto Dinamite, que também não escapou da fúria de Álvaro. Sua discussão com o maior ídolo do clube foi áspera.

- Lembro bem uma frase dele no meio da confusão: "Aqui o meu pai é Papa". Ele me xingou e devolvi o xingamento. Aí o Eurico se meteu, dizendo para eu respeitar o filho dele - recorda Roberto.

Filho mais velho já foi punido pela Fifa

O ex-jogador se lembra de outros momentos que classificou de "constrangedores" no dia da eleição.

- Os filhos do Eurico ficavam me intimidando, com seguranças ao lado, se achando superiores. Quando eu saía para pedir votos, um deles me acompanhava, junto com seguranças. Ficavam gritando para os sócios que eu era botafoguense. E olha que estes garotos pediam camisa na minha época de jogador - afirma.

Em São Januário, dizem que Mário, de 30 anos, puxou a mãe por ser mais calmo no trato com as pessoas e por cumprimentar a todos no clube. Mas já teve problemas típicos do pai. No Mundial de Clubes do Brasil, em 2000, tentou entrar no vestiário do Vasco sem credencial. Barrado, foi pivô de uma confusão que culminou com o braço quebrado de um assessor da Fifa. Acabou punido pela entidade, que o proibiu de exercer cargo de dirigente de futebol por dois anos. O fato aconteceu pouco tempo depois de ele trabalhar na superintendência de esportes amadores num período de vacas gordas do clube, graças à injeção de R$34 milhões do Nations Bank. Antes, Mário já tinha sido funcionário da Vasco da Gama Licenciamentos, que o empregou a pedido de Eurico. Há duas versões para a sua saída, cinco meses depois. A primeira é a de que não havia mais ambiente quando o clube e o banco romperam. A segunda é a de que pediu demissão depois que atletas começaram a fazer fila na sua porta cobrando salários atrasados.

Ossos de um ofício que o pai também já vislumbra para outro membro da família. Segundo seu biógrafo, José Louzeiro, Eurico costuma dizer que seu único neto, de dois anos, será presidente do clube. É mais um candidato a herdeiro das glórias e dos problemas do Vasco.

Na Câmara, emprego para os filhos por R$10 mil mensais

Mário, Euriquinho e Álvaro são sócios de empresa que, segundo a CPI do Futebol, recebeu dinheiro do Vasco

O que faz no Vasco, Eurico Miranda também já fez no Congresso Nacional, só que com dinheiro público. Em seus dois mandatos, entre 1994 e 2002, o dirigente pôs os três filhos, além de um sobrinho, para trabalhar em seu gabinete na Câmara dos Deputados. Em 1999, Mário Ângelo acumulou o cargo em Brasília com o de superintendente remunerado do Vasco.

O filho mais velho de Eurico Miranda ganhava R$4 mil por mês na Câmara dos Deputados, mesmo salário de Euriquinho. Álvaro, o caçula, recebia R$2 mil e o sobrinho, Alexandre, R$800.

- Tenho uma verba de gabinete e eles são funcionários meus. Fazem o que eu mandar - justificou Eurico, na época, ao jornal "Folha de S.Paulo".

A história do presidente do Vasco e de seus herdeiros em Brasília não se restringiu à pratica de nepotismo. A CPI do Futebol, no Senado, da qual o presidente do Vasco saiu com um dos 17 indiciados por crimes como lavagem de dinheiro e evasão de divisas, respingou nos seus filhos. Os senadores descobriram um cheque do Vasco no valor de R$24.279,95 depositado na conta da Same Empreendimentos e Participações, empresa que tem como sócios Eurico, Mário, Euriquinho e Álvaro, entre outros parentes.

Segundo o relatório final da CPI, havia indícios de que a conta laranja do funcionário Aremithas Lima - apontada pelos senadores como instrumento para o dirigente pagar contas pessoais com o dinheiro do Vasco - servisse para pagamentos de obrigações da Same. A empresa funciona até hoje no mesmo endereço onde Eurico mantém um escritório de advocacia e onde trabalham Mário e Euriquinho quando não estão em São Januário. Com cheques do Vasco também foram pagos, segundo a CPI, contas pessoais dos filhos, como títulos de seguros e mensalidades de clubes.

ÁLVARO MIRANDA

O terceiro filho de Eurico, de 26 anos, chegou a evitar estádios para não ouvir torcedores xingando seu pai. Formado em educação física e ex-jogador de basquete do Vasco, treina atualmente o time mirim de futebol do clube. Discutiu com Roberto Dinamite na eleição do Vasco.

'Os filhos do Eurico ficavam me intimidando, com seguranças ao lado. E olha que eles me pediam camisa na época de jogador'

ROBERTO DINAMITE

EURICO ÂNGELO MIRANDA

Advogado, 27 anos, é o filho mais próximo de Eurico Miranda no Vasco. Participa de decisões do futebol e de reuniões com empresários. Tentou contratar Aloísio Chulapa no início do ano e fez força para a demissão de Joel Santana. Tem o temperamento explosivo do pai.

'Tenho uma verba de gabinete e eles são funcionários meus. Fazem o que eu mandar'

EURICO MIRANDA

Sobre nepotismo na Câmara, 1999

MÁRIO MIRANDA

Filho mais velho de Eurico (30 anos), é o que tem freqüentado menos São Januário. Atualmente, só ajuda informalmente a diretoria, mas já foi superintendente de esportes amadores e ganhou um emprego na Vasco da Gama Licenciamentos. Trabalha no escritório do pai.

Legenda da foto: EURICO MIRANDA: o presidente do Vasco completa este ano 20 anos como dirigente do clube