Título: DOENTE, APOSENTADO MORRE NA PORTA DE CLÍNICA
Autor: Taís Mendes
Fonte: O Globo, 10/05/2005, Rio, p. 17

Há um ano com dores no peito, ele só tinha conseguido marcar exame, em outro hospital do Humaitá, para julho

Após um ano tentando um diagnóstico médico para fortes dores no peito e falta de ar, o aposentado Luís Carlos Duarte Marques, de 58 anos, morreu de infarto ontem, por volta das 5h30m, quando chegou à Policlínica Piquet Carneiro, no bairro de São Francisco Xavier, uma unidade pública administrada pela Uerj. Parentes disseram que Luís Carlos era paciente do Instituto de Cardiologia Aloysio de Castro, no Humaitá, onde esteve no mês passado, mas ali só teria conseguido marcar exames para confirmar uma suspeita de coração dilatado para julho.

Segundo pacientes que estavam na fila desde a madrugada, o aposentado chegou passando mal e não conseguiu percorrer 60 metros de ladeira entre a portaria e a fila. O descaso marcou a vida de Luís Carlos até o final: o corpo do aposentado ficou no pátio da clínica durante seis horas, até ser recolhido pelo rabecão.

Policlínica tem déficit de pessoal de cerca de 50%

A unidade, que não tem serviço de emergência, só abre às 7h. Policiais militares ainda tentaram reanimar o aposentado com massagens cardíacas, mas ele morreu antes mesmo de ser atendido por uma equipe médica do Corpo de Bombeiros chamada às pressas. Há uma semana, a autônoma Neusa Evangelista Fumera Magalhães, de 55 anos, também morreu na fila de um posto em São Cristóvão, onde freqüentava há dois anos um programa de tratamento de hipertensão.

Parentes disseram que Luís Carlos foi mais uma vítima da crise da saúde.

¿ Nossos dirigentes têm que tomar vergonha na cara. A família deles tem plano de saúde e vão para hospitais particulares. Mas o pobre tem que enfrentar fila e acaba morrendo ¿ desabafou Iara Duarte Machado, prima do aposentado.

Era a primeira vez, de acordo com a família, que Luís Carlos buscava atendimento na Policlínica Piquet Carneiro, onde foi informado que havia um pneumologista. Mas a direção da clínica informou que já não dispõe da especialidade há seis anos. A médica Lilia de Moraes, chefe de clínicas da unidade, disse que tem um déficit de profissionais de pelo menos 50%.

¿ Também estão fechadas as clínicas de reumatologia e angiologia ¿ afirmou.

A clínica, gerida pela Uerj em conjunto com o Ministério da Saúde, atende em média mil pessoas por dia. Pacientes que assistiram à agonia do aposentado contaram que ele subiu a ladeira da clínica com muita dificuldade.

¿ Ele andava um pouco e parava. Fiquei observando até que ele se agachou e tombou para o lado, batendo com a cabeça no chão ¿ contou a aposentada Maria Ferreira, de 52 anos.

A aposentada Irene Maria de Jesus, de 59 anos, reclamou dos bombeiros:

¿ Chamamos os bombeiros às cinco e trinta e cinco da manhã, mas eles só apareceram trinta minutos depois.

O Corpo de Bombeiros diz que foi chamado às 5h55m e chegou cinco minutos depois.

O deputado Paulo Pinheiro (PT), da Comissão de Saúde da Assembléia Legislativa, encaminhou ofício à Secretaria estadual de Saúde e ao Ministério Público cobrando o cumprimento da Lei 3.892, que estabelece normas para a triagem de pacientes em unidades de saúde do Rio:

¿ A morte desse aposentado é um exemplo da desorganização do sistema ¿ disse.