Título: Hora dos louros
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 11/05/2005, O Globo, p. 2

É cedo para avaliar os incômodos e os custos da iniciativa brasileira de realizar a Cúpula América do Sul-Países Árabes. Seu caráter político acabou sendo mais acentuado que o inicialmente previsto. Mas a própria realização deste encontro que o presidente Lula classificou de ousado e ambicioso - arriscado, poderia também ter dito - já pode ser contabilizado como um grande feito da política externa.

Ainda que o governo brasileiro negue surpresa e considere previsíveis os pronunciamentos mais contundentes, como as críticas aos EUA pela continuada ocupação do Iraque mesmo após a realização das eleições locais, e a Israel pela ocupação de terrenos palestinos, é óbvio que os árabes vieram em busca não apenas de oportunidades econômicas, comerciais e de cooperação. Aproveitaram o evento como plataforma de proselitismo político em favor de suas causas e problemas. Ajustando-se às limitações do bloco sul-americano, acabaram conseguindo incluir no comunicado final questões delicadas como a do Iraque e a do conflito israel-palestino. O presidente venezuelano Hugo Chávez soprou as chamas ao declarar que a Venezuela está sendo ameaçada pelo "imperialismo americano". Tudo previsível, diz o assessor internacional de Lula, Marco Aurélio Garcia:

- Nunca tivemos a pretensão de realizar um encontro voltado apenas para questões comerciais e econômicas. Para isso, não seria necessária uma cúpula, mas uma reunião de ministros. As relações comerciais avançam é com o impulso das relações políticas. Prova disso é o incremento do comércio com os países que o presidente Lula já visitou.

A hora é dos louros, e eles vão sobretudo para a imagem do presidente Lula como líder regional. As expressões faciais de maior desconforto do presidente argentino, Néstor Kirchner, aconteceram, na cerimônia de abertura, exatamente quando o presidente peruano, Alejandro Toledo, em seu discurso, encheu a bola do presidente brasileiro e valorizou a Comunidade Sul-Americana de Nações, projeto que desagrada a Argentina, mais interessada na superação dos desarranjos no Mercosul.

Mas mesmo com a Argentina houve avanços no jantar de anteontem, entre Lula, Kirchner e Chávez, que se entenderam sobre três projetos conjuntos - embora Kirchner tenha feito sua cena ao ir embora mais cedo, antes do final da Cúpula. Com os árabes, houve pelo menos um resultado concreto, a assinatura do acordo-quadro com os seis países associados do Golfo Pérsico.

Mas, depois dos louros, virão os espinhos. A imprensa de Israel ontem mesmo já estranhava que as relações entre o Brasil e os árabes poderiam ir tão longe. Para neutralizar a reação, o chanceler Celso Amorim deve ir em breve a Israel. Serão necessários, certamente, novos afagos na secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, a quem o Brasil garantiu que o encontro não serviria de plataforma de lançamento de farpas contra os EUA. Acabou servindo.

As imperfeições ficaram por conta de algumas ausências importantes, de problemas menores de organização e do inevitável foco nas relações com a Argentina.