Título: Democracia divide árabes e sul-americanos
Autor: Eliane Oliveira, Maria Lima e Renato Galeno
Fonte: O Globo, 11/05/2005, O País, p. 8

Brasil defende menção a estados democráticos no documento da Cúpula, mas líderes árabes resistem

BRASÍLIA. Havia ontem um dilema entre chefes de Estado e de governo que participam da Cúpula América do Sul-Países Árabes: a palavra democracia deve ou não ser incluída na declaração final, a Carta de Brasília, que será assinada hoje pelos líderes? A questão será resolvida no último momento, devido à resistência dos árabes à defesa dos princípios democráticos, bandeira dos sul-americanos. O Brasil defende a todo custo que o termo seja incluído, mesmo que de forma cuidadosa.

Segundo duas fontes do governo brasileiro, a saída negociada ontem era a de citar o termo de forma genérica. Ou seja, dizer que os participantes apóiam os governos eleitos democraticamente, sem dar maiores detalhes. O desafio é não constranger os árabes, já que há algumas ditaduras, como as de Líbia e Síria. Negociadores da Arábia Saudita e do Sudão afirmavam que lutariam até o fim para evitar menção à palavra.

Apesar de a versão do documento ontem ainda conter referência a Israel, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, descartou essa hipótese.

- Não há menção a Israel e cada um é livre para falar o que pensa sobre o tema. Ninguém ignora que no Oriente Médio o problema da Palestina é importante - disse Amorim.

"Posições equilibradas"

A Carta de Brasília condena todas as formas de terrorismo, mas abre uma brecha velada a grupos radicais de resistência palestinos, como o Hamas, e a organização libanesa Hezbollah. Num trecho, os líderes reafirmam seu repúdio à ocupação estrangeira e reconhecem o direito dos Estados de "resistir à ocupação estrangeira de acordo com os princípios da legalidade internacional".

- A declaração foi satisfatória para os palestinos - disse o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas.

O Centro Simon Wiesenthal, instituição vinculada ao Estado de Israel, divulgou nota condenando o que chamou de aval a grupos terroristas. No documento, é feita uma firme defesa do multilateralismo e do desarmamento, junto com um apelo para que o Oriente Médio fique livre de armas nucleares, numa menção a Israel e ao Irã. Também é enfatizada a unidade, soberania e independência do Iraque.

- Os EUA sabiam que poderiam ganhar a guerra do Iraque, mas não ganharam a paz - disse o presidente do Chile, Ricardo Lagos.

Os líderes das duas regiões repudiam medidas protecionistas de países ricos e pedem ampla reforma do sistema financeiro internacional. De acordo com o assessor para assuntos internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, o presidente Lula definiu o documento com a seguinte frase:

- É um documento sem concessões e sem provocações, com posições equilibradas.

Legenda da foto: CHEFES DE Estado e de governo posam para a foto oficial da Cúpula América do Sul-Países Árabes: o encontro termina hoje com a divulgação do texto final da Carta de Brasília