Título: ÉTICA COM CHEIRO DE PIZZA
Autor: Maria Elisa Alves
Fonte: O Globo, 11/05/2005, Rio, p. 14

Alerj aprova código de conduta mas deputados não aceitam o fim do nepotismo

Ética ma non troppo. Ao aprovar ontem pela primeira vez um Código de Ética e Decoro para nortear o trabalho dos deputados fluminenses e criar um Conselho de Ética para julgar infratores, a Assembléia Legislativa do Rio (Alerj) não quis deixar a família dos parlamentares no meio da discussão. Por 25 votos a 16, foi rejeitada a emenda do deputado Alessandro Molon (PT) que vetava a nomeação de mulheres, maridos e parentes até segundo grau dos deputados para cargos na Casa. Além da vitória do nepotismo, o código também começa a valer com mais uma polêmica: não foi aprovada a emenda que exigia que todos abrissem mão do sigilo bancário ao tomar posse.

- A Casa perdeu a oportunidade de dar exemplo ao país ao não proibir o nepotismo. Ao permitir a contratação de parentes, o Código de Ética ficou aquém do que deveria. Fiquei frustrado em relação ao código - lamentou Molon.

Suspeito da morte do parlamentar Valdeci Paiva (PSL), de quem era suplente, o deputado Marcos Abrahão (PRTB), que perdeu o mandato e conseguiu voltar à Casa graças a uma liminar, também criticou o código aprovado:

- Não existe ética no meio político. Existe conveniência. Se for conveniente cassarem alguém, cassam. Se não, esquecem. É tudo uma politicagem nojenta. Todo mundo sabe que no PT e em outros partidos também há nepotismo. Só que em vez de nomearem o parente no próprio gabinete, nomeiam no de outro deputado.

O deputado André Corrêa (PPS) também não escondeu a insatisfação com a rejeição à exigência de quebra do sigilo bancário.

- A Assembléia já deu bons exemplos ao acabar com o jeton e reduzir o período de recesso. Deveria ter também exigido a quebra de sigilo bancário dos parlamentares. Seria um avanço - reclamou André, que se aliou à bancada do PT no pedido de quebra do sigilo.

O presidente da Alerj, Jorge Picciani, considerou que o nepotismo não venceu na Casa:

- O nepotismo não era assunto para ser discutido pelo Código de Ética. Basta que um deputado apresente um projeto de lei sobre os critérios de nomeação que poderemos fazer uma ampla discussão sobre isso.

Um dos autores do projeto que criou o código, o deputado Paulo Melo (PMDB) também não considerou uma derrota da ética a possibilidade de nomear parentes:

- Se não é proibido por lei, como pode ser quebra de decoro?

Cassação deverá ser mais rápida

Segundo o presidente da Casa, o Código de Ética e Decoro Parlamentar e a criação do Conselho de Ética foram um avanço e vão dar à Alerj mais agilidade na hora de julgar e punir deputados. Antes do código, se um parlamentar quebrasse o decoro, era preciso que uma denúncia contra ele fosse apresentada à Mesa Diretora, que decidia se instaurava ou não um processo. A Comissão de Constituição e Justiça analisava o caso e dava um parecer, processo que durava ao todo quase seis meses.

Foi esse o tempo decorrido entre o início do processo contra o deputado Alessandro Calazans (sem partido) e a votação de sua cassação. Acusado de quebra de decoro por ter supostamente negociado a retirada do nome do empresário do ramo lotérico Carlos Augusto Ramos do relatório final da CPI da Loterj, presidida por ele. Calazans acabou não perdendo o mandato. Em votação secreta, sua cassação foi rejeitada no mês passado.

- Agora, o processo é aberto pelo Conselho de Ética e funciona de forma mais rápida. Em dois meses, pode-se julgar e até cassar um deputado - acredita Paulo Pinheiro (PT), um dos autores do projeto do código.

Com a aprovação do código, os deputados terão que seguir novas regras. Entre outras obrigações, deverão apresentar, ao tomarem posse, declarações de bens e de fontes de renda de cônjuges ou companheiros. Também será considerado ato contrário ao decoro usar a infra-estrutura da Alerj e recursos ou funcionários da Casa para benefício particular.

O Conselho de Ética será formado por nove parlamentares. Os partidos vão ter até 30 dias para indicar sete deputados, de acordo com a proporção das bancadas. Dois deles - o corregedor e o corregedor-substituto - serão escolhidos por votação aberta. Caberá a eles analisar todas as denúncias contra deputados. Dependendo do caso, os parlamentares poderão receber as seguintes punições: censura verbal ou escrita; suspensão das prerrogativas regimentais; suspensão temporária do mandato ou perda do mandato.

Uma outra novidade é que agora estará escrito no papel o que é considerado quebra de decoro parlamentar.

- Antes era subjetivo, agora estará sistematizado - diz Picciani.

Segundo o código, poderão perder o mandato, em votação aberta, os deputados que abusarem das vantagens que o cargo oferece; que praticarem corrupção ativa ou passiva; que tentarem obter vantagens indevidas; que venderem sua vaga ao suplente; que praticarem tráfico de influência para encobrir crimes de terceiros.

AS PRINCIPAIS REGRAS

PERDA DO MANDATO: A nova lei considera comportamentos incompatíveis com o decoro parlamentar e puníveis com a perda do mandato, após votação aberta no plenário, sete condutas: abuso das vantagens constitucionais asseguradas aos deputados; obtenção de vantagens indevidas; celebração de acordos para vender a vaga para o suplente; fraudar o andamento dos trabalhos legislativos para alterar resultado de decisões; omitir informações nas declarações obrigatórias de bens e renda; corrupção ativa ou passiva e tráfico de influência.

SUSPENSÃO DO MANDATO: Deputados que faltarem à terça parte das sessões ordinárias sem apresentar licença médica ou da própria Alerj poderão ter o mandato suspenso temporariamente, após votação no plenário. A mesma punição poderá ser aplicada a quem revelar conteúdo de debates ou decisões que a Alerj considere secreto e a quem usar poderes do cargo para constranger colegas ou demais servidores.

DECLARAÇÕES: Os deputados terão que apresentar ao Conselho de Ética e Decoro declarações de seus bens e os que estiverem em nome do cônjuge ou companheiro (a), além de cópia da declaração de renda.

CENSURA VERBAL: Os deputados que perturbarem a ordem das sessões da Assembléia ou nas reuniões das comissões poderão ser censurados verbalmente pelo presidente da Casa. Estarão sujeitos à mesma punição os parlamentares que desrespeitarem as regras de boa conduta dentro da Alerj.

CENSURA ESCRITA: Quem ofender ou agredir fisicamente outro deputado receberá uma censura escrita.

"A Casa perdeu a oportunidade de dar exemplo ao país ao não proibir o nepotismo. O Código de Ética ficou aquém do que deveria"

DEPUTADO ALESSANDRO MOLON - Autor de emenda que proibia a contratação de parentes

"Não existe ética no meio político. Existe conveniência. Se for conveniente cassarem alguém, cassam. É tudo uma politicagem nojenta"

DEPUTADO MARCOS ABRAHÃO - Parlamentar cassado que voltou à Alerj com uma liminar

Legenda da foto: PAULO MELO, um dos autores do código, sobre o nepotismo: "Se não é proibido por lei, como pode ser quebra de decoro?"