Título: Uma nova forma de corrupção eleitoral
Autor: OLIVEIROS MARQUES
Fonte: O Globo, 15/10/2004, Opinião, p. 7

O Brasil ofereceu ao mundo, este ano, um dos maiores espetáculos eleitorais da modernidade. As eleições municipais brasileiras por sua capilaridade, pela quantidade de eleitores, pelo grande número de candidatos e por sua agilidade na apuração servem como um dos melhores exemplos de sufrágio que se tem notícia.

Nos 5.563 municípios concorreram quase trezentos e cinqüenta mil candidatos a vereador e quinze mil candidatos a prefeitos. Para administrar este processo foram envolvidas mais de dois milhões de pessoas. Quatrocentas mil urnas eletrônicas, distribuídas em trezentas e sessenta mil seções eleitorais, atenderam cento e vinte milhões de eleitores. Empreendimento sem igual na história eleitoral do mundo. Nem mesmo as eleições americanas, que se avizinham, movimentam uma estrutura deste porte, apesar dos milhões de dólares a mais que consomem.

Esta estatística poderia nos colocar, sem dúvida, como a verdadeira maior democracia do mundo. Poderia, mas infelizmente não é isto que ocorre. Pelos desvios próprios, mas não exclusivos, de nossa cultura, por nossa situação econômica e social e por brechas no sistema eleitoral as eleições no Brasil, em vários momentos, abandonam os valores democráticos.

Um dos maiores exemplos dos desvios antidemocráticos é o processo de compra de votos e aliciamento de eleitores tão comuns nas mais diversas localidades. Sabemos de métodos coercitivos para forçar eleitores a depositarem sua esperança em determinados candidatos que, atrelados politicamente aos coronéis, têm como missão manter o status quo. Cestas básicas, cobertores, materiais de construção, enfim, uma série de mecanismos é usada para ludibriar os eleitores.

Mas, de algumas eleições para cá, o processo tem se aprimorado. Aos olhos da Justiça Eleitoral, do Ministério Público e das autoridades de segurança, candidatos riem da cara da democracia e compram votos às escâncaras.

Utilizando-se da praga do desemprego, candidatos compram votos de famílias inteiras e, na crença absoluta da impunidade, expõem a mercadoria comprada em praças e esquinas das cidades.

Acompanhei, este ano, as eleições em uma cidade do interior do Paraná. Cidade pequena, vinte e sete mil eleitores. No sábado anterior às eleições tive acesso a um saco plástico contendo camisetas e bonés de um determinado candidato a prefeito, mapas da cidade e senhas destacáveis em três partes. Ele havia oferecido a uma candidata a vereadora R$ 30 por cada pessoa que ela ¿contratasse¿ para ¿trabalhar¿ para ele no dia da eleição.

Poderiam ser contratadas até 30 pessoas. Não precisariam pedir voto, ou seja, fazer a chamada boca-de-urna. Elas teriam, apenas, que passar o dia inteiro no ponto indicado no mapa vestindo a camiseta daquele candidato.

Em horários não avisados uma pessoa usando a camiseta do candidato e uma faixa amarela amarrada no braço passaria destacando as senhas e fiscalizando a presença. No final do dia, após feita a contabilidade das senhas destacadas e confirmada a permanência da pessoa contratada, seriam repassados os recursos para que a candidata a vereadora fizesse o pagamento.

No domingo da eleição, quando cheguei à cidade, me deparei com um verdadeiro exército de eleitores espalhado, em especial, próximo aos pontos de votação. Mais de quatro mil pessoas tinham sido ¿contratadas¿ para ficarem nas ruas da cidade conversando em esquinas e praças. Uma verdadeira afronta à democracia. Caminhando pela cidade pude acompanhar a verificação de presença. Com faixa amarela amarrada no braço, uma pessoa abordava quem vestia a camiseta de seu candidato e destacava a senha.

Os contratados não pediam voto. Simplesmente ficavam parados. Na verdade, a contrapartida para o que receberiam no final do dia seria dada com o voto depositado na urna e não com qualquer trabalho. Ou seja, esses 4 mil votos foram comprados por R$ 30 cada. É esta a forma como candidatos e políticos compram votos atualmente. E a nossa democracia segue sendo vítima. Cabe à Justiça Eleitoral se preparar para enfrentar mais esta violência. OLIVEIROS MARQUES é sociólogo e publicitário.