Título: NA GEÓRGIA, UMA RARA OVAÇÃO
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Fonte: O Globo, 11/05/2005, O Mundo, p. 30

Multidão em ex-república soviética acolhe Bush como paladino da democracia

Após participar em Moscou das celebrações do fim da Alemanha nazista 60 anos atrás, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, foi à Geórgia festejar outra vitória da democracia e aproveitou para mandar um recado à Rússia de que a soberania do pequeno país no Cáucaso deve ser respeitada. Ovacionado como herói por uma multidão de dezenas de milhares de pessoas na Praça da Liberdade em Tbilisi, Bush elogiou os georgianos pela derrubada pacífica, em 2003, do governo de Eduard Shevardnadze e disse que a Geórgia é um "farol da liberdade" - um exemplo para países como Líbano, Iraque e Ucrânia.

A visita a Tbilisi encerrou a turnê de cinco dias de Bush pela Europa, em que o presidente, além de celebrar a vitória aliada sobre Hitler na Segunda Guerra Mundial, visitou a Holanda e duas ex-repúblicas soviéticas que somente na década de 1990 se livraram do jugo de Moscou com o fim da URSS: a Letônia e a Geórgia. O roteiro de Bush causou um protesto do Kremlin contra a inclusão da Letônia e da Geórgia na viagem, levando o Departamento de Estado americano a responder que Bush visitava os lugares que bem entendesse.

Primeiro presidente americano a visitar a Geórgia, Bush foi recebido na capital como um paladino da democracia, pelo apoio que tem dado ao governo georgiano e pelas advertências que tem feito a Moscou sobre a necessidade de respeitar a soberania das ex-repúblicas soviéticas.

Saakashvili pede uma nova Yalta

A visita de Bush parou o centro de Tbilisi, que recebeu o presidente toda engalanada. Durante o discurso, ele foi ovacionado por uma eufórica multidão que gritava "Bushi, Bushi", agitando estandartes e bandeiras em sua homenagem, numa rara ocasião em que um presidente dos EUA viaja ao exterior e, em vez de enfrentar protestos, recebe uma acolhida calorosa. Houve fortes aplausos quando ele disse que "a soberania e a integridade territorial da Geórgia devem ser respeitadas por todas as nações".

- É ótimo que o presidente de uma superpotência tenha vindo nos visitar. Esperamos que as coisas melhorem para nós e que possamos seguir em frente. Acho que agora o mundo vai nos olhar de forma diferente - opinou a professora Nana Razmadze, de 54 anos.

Bush congratulou os georgianos pela Revolução das Rosas, o movimento pacífico que tirou do poder o presidente Shevardnadze em novembro de 2003, um remanescente dos tempos do comunismo acusado de corrupção e autoritarismo.

- Vocês se reuniram aqui armados apenas de rosas e do poder de suas convicções e conseguiram sua liberdade - discursou o presidente. - E porque vocês agiram, a Geórgia hoje é soberana e livre e um farol da liberdade para esta região e para o mundo.

Bush apoiou a reivindicação de Tbilisi de reincorporar as regiões separatistas da Abcázia e da Ossétia do Sul, que têm governos pró-moscovitas, mas, diplomaticamente, evitou dar a impressão de estar se imiscuindo em assuntos regionais.

- Os Estados Unidos não podem impor uma solução, nem vocês iriam querer isso - esquivou-se.

Segundo o presidente da Geórgia, Mikhail Saakashvili, as duas regiões são vitais para que o país se recupere de anos de declínio econômico. Bush, por sua vez, preferiu não aprofundar o desentendimento com Moscou e absteve-se de manifestar-se sobre a exigência do governo georgiano de que duas bases russas no país sejam desativadas o mais rapidamente possível.

Atuando numa outra frente, o presidente Saakashvili pediu, num artigo no jornal "The Washington Post", uma nova Conferência de Yalta, referindo-se à reunião em que áreas de influência foram negociadas entre os vencedores da Segunda Guerra na Europa em 1945, deixando a parte oriental sob domínio soviético. Saakashvili argumentou que é necessário um novo arranjo que fortaleça a democracia nos países que a conquistaram recentemente e ajude a expandi-la a outros ainda sob o tacão de ditaduras. "Os valores que originaram nossas revoluções pacíficas - governo responsável, sociedade livre, o império da lei - não são valores exclusivamente europeus: eles são universais", argumentou.

No fim do dia, autoridades georgianas revelaram que um artefato que pode ser uma granada foi atirado a 30 metros do local onde Bush discursava em Tbilisi. O Serviço Secreto dos EUA investiga o incidente.

Legenda da foto: BUSH PREPARA-SE para iniciar seu discurso na Praça da Liberdade, em Tbilisi: aplausos da multidão e elogios à derrubada pacífica do governo de Shevardnadze