Título: Saldos da cúpula
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 12/05/2005, Panorama Político, p. 2
Os árabes e os vizinhos partiram deixando em Brasília um governo exultante com a realização da cúpula América do Sul-Países Árabes. Um êxito, avalia o governo, que teve sua percepção interna turvada pelo foco na questão argentina, e pela ênfase da imprensa nos pontos políticos polêmicos da Carta de Brasília: as referências ao Iraque, ao Oriente Médio e ao terrorismo.
Os eventuais custos políticos serão, a médio prazo, comparados com os lucros comerciais decorrentes do contato propiciado a 1.250 empresários das duas regiões. No jantar de anteontem no Itamaraty, em conversa informal, o presidente Lula temperava o júbilo dos discursos com mais realismo.
¿ Estou muito satisfeito mesmo, inclusive porque você não tem idéia do quanto foi difícil organizar este encontro, reunindo pessoas de culturas tão diferentes, apesar dos interesses convergentes. Foram meses de delicadas negociações. Mas sou realista. Abrimos uma porta larga e isso pode incomodar os grandes, que pensam a globalização a partir dos interesses deles. Daqui a uns três anos vamos saber se por ela passou e vai passar tudo que esperamos ¿ disse à colunista, enquanto levava os convidados para a apresentação de danças típicas ¿ carimbó, siriá, lundu e frevo.
O ministro Celso Amorim, não menos exultante, minimizava o sentido da saída de Kirchner antes do término da cúpula.
Quem dá uma boa idéia das dificuldades enfrentadas ao longo dos oito meses de preparação é a embaixadora Vera Pedrosa, subsecretária Política do Itamaraty, que participou de dezenas de reuniões com os sul-americanos e destes com os árabes. De novo, na Carta, entrou apenas a referência às Ilhas Malvinas, uma vez que só há duas semanas soube-se que foram incluídas na esfera territorial regida pela Constituição da União Européia. De modo que nada foi imposto de última hora pelos árabes e todos estavam preparados para as repercussões. Os argentinos, segundo a embaixadora, foram dos mais ativos na fase preparatória. Negociar com os árabes exigiu dos sul-americanos muito jogo de cintura. Eles se melindram à toa diante de uma restrição. Têm uma lógica de negociação diferente, saltando de um tema para outro, exigindo que se cobre, com delicadeza, concentração no tema em discussão. O problema da língua também pegou. Volta e meia surgiam divergências sobre a tradução para o árabe. Por fim, combinou-se que tudo seria redigido em inglês e a Liga Árabe se encarregaria da versão. Mas se empenharam muito, sobretudo na última reunião, há cerca de um mês em Marrakesh, para a produção do consenso básico.
Marco Aurélio Garcia, assessor internacional de Lula, menciona as pressões imensas que precederam a realização da cúpula. Embora evite explicitá-las, sabe-se que houve até jogo de espionagem e contra-informação. O Departamento de Estado americano, por exemplo, teve acesso à primeira versão, elaborada pelos árabes, mas ainda não examinada pelos sul-americanos, sobre as referências ao terrorismo e à questão palestina. A primeira versão do texto produzido em Marrakesh (e não a definitiva) chegou aos jornais europeus e americanos dois dias após a reunião, alimentando especulações.
É previsível o desgosto americano com a condenação à ocupação do Iraque. Mas a participação do presidente Jalal Talabani como legítimo governante foi um endosso à ação política dos Estados Unidos, que promoveram a eleição. A contrariedade de Israel tem menos razão de ser. O tema já foi objeto de 229 resoluções da Assembléia Geral da ONU entre 1974 e 2004 e de 51 do Conselho de Segurança desde 1995.
Chega hoje ao Congresso o projeto que cria a subvenção de remédios, começando pelos que atendem aos 11,5 milhões de diabéticos e hipertensos. O custo, garante o ministro Humberto Costa, pode cair até 50%.
FH: sobre o comando do atraso
Transcrevo correspondência do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a propósito de nota de ontem, afirmando que suas articulações com Severino Cavalcanti confirmam seu diagnóstico de que PT e PSDB disputam o comando do atraso. Dizia também que o PT faz o mesmo quando aceita acabar com a verticalização das coligações para atender aos partidos aliados. Diz Fernando Henrique:
¿Vamos aos fatos. Eu não tive qualquer encontro com o presidente da Câmara, nem fiz qualquer contato telefônico com ele. Estivemos juntos apenas em duas ocasiões: na viagem a Roma (com o presidente Lula a nosso lado) e anteontem em um jantar comemorativo dos 20 de democracia, quando apenas nos cumprimentamos. Já desmenti boatos sobre minhas `articulações¿ com Severino para atrapalhar o governo Lula na Câmara. Até porque ninguém precisa combinar para fazer o que o governo faz tão bem sozinho. Aproveito para esclarecer a frase de minha entrevista com o senador Cristovam sobre o `comando do atraso¿. De fato, é o que penso, mas com um complemento. O PSDB e o PT, até agora, têm sido os únicos partidos capazes de formar uma aliança (a mesma...) que permite governabilidade. Nessa aliança, as forças tradicionais e clientelistas entram numerosamente. Entretanto, e este é o complemento, se os partidos polares não forem capazes de dar o rumo, o marasmo e sabe lá Deus o que mais, tomam conta da política e ela se reduz à manutenção do poder pelo poder. É esse o risco que se corre¿.
OUTRO esclarecimento tucano. O presidente do partido, senador Eduardo Azeredo, e não apenas os líderes pefelistas, como registrado, compareceu à abertura da cúpula árabe.