Título: CUSTO E BENEFÍCIO
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Fonte: O Globo, 12/05/2005, Editorial/Opinião, p. 6

Foi necessária uma acrobacia diplomática para incluir num documento assinado por árabes e latino-americanos uma condenação ao terrorismo e, ao mesmo tempo, o apoio ao direito dos Estados e povos de resistirem ¿à ocupação¿. Isso sem admitir a ação da al-Qaeda e similares. A solução, engenhosa, aplicada na Declaração de Brasília foi subordinar a resistência de Estados e povos aos (...) ¿princípios de legalidade internacional e em conformidade com o Direito Humanitário Internacional¿.

Assim, transfere-se a questão para a ONU, cujo secretário-geral, Kofi Annan, alinha-se à posição correta de condenar qualquer tipo de terror ¿ o que se espera venha um dia a ser aprovado formalmente pelas Nações Unidas.

O encontro de Brasília dá prestígio a Luiz Inácio Lula da Silva e amplia espaços para a diplomacia brasileira. Mas tudo tem um custo. Não seria razoável imaginar um documento redigido com a participação da Síria, de palestinos, de árabes em geral e da Venezuela de Hugo Chávez que não criasse percalços diplomáticos.

Sintomaticamente, poucas horas depois de a declaração começar a circular, já estava na internet uma nota ácida da Confederação Israelita do Brasil contra a reunião. Não por acaso já se previa a ida do ministro Celso Amorim a Israel.

Para ser completa, a tournée diplomática destinada a tratar de feridas abertas pela Carta de Brasília precisaria se estender a Londres e a Washington. Porque também há mau humor no Foreign Office, pela crítica à União Européia por considerar as Malvinas possessão inglesa. O mesmo nos Estados Unidos, criticados no documento por estabelecerem sanções à Síria.

O Brasil reafirma a tradição do não-alinhamento e, dá a entender, continua a embalar devaneios diante de um anacrônico eixo Sul-Sul, para contrabalançar o peso do Primeiro Mundo nas parcerias econômicas e diplomáticas.

É certo procurar alternativas para aumentar o cacife nas negociações comerciais. Mas tudo é uma questão de custo e benefício. Por enquanto, os custos são visíveis. Mas será preciso esperar pelos benefícios, na forma da ampliação substantiva de mercados para nossas exportações. E de apoio efetivo em fóruns internacionais às demandas brasileiras. A sociedade precisará fazer esse balanço de ganhos e perdas periodicamente.