Título: Furlan a argentinos: `Não tem salvaguarda¿
Autor: Lydia Medeiros, Eliane Oliveira, Cristiane Jungblu
Fonte: O Globo, 12/05/2005, O País, p. 8

Lula confirma posição do ministro, mas ameniza desgaste com Kirchner e diz que os dois discutiram o que havia para discutir

BRASÍLIA. Depois da saída do presidente Néstor Kirchner da Cúpula América do Sul-Países Árabes, a crise entre Brasil e Argentina ganhou fermento. O governo brasileiro eliminou qualquer possibilidade de atender às reivindicações do vizinho de obter concessões temporárias para proteger suas indústrias, uma das pendências entre os dois países.

¿ Não tem salvaguarda ¿ disse o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan.

A decisão foi confirmada em seguida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na entrevista que encerrou o evento. Lula afirmou que Brasil e Argentina são nações que ¿se necessitam¿, mas rejeitou a discussão pontual de casos.

¿ Temos compreensão da problemática das relações comerciais entre Brasil e Argentina, e que nós precisamos construir um processo para que a gente não fique apenas discutindo o varejo de um ou de outro setor econômico que se sente prejudicado aqui ou ali, porque isso vale para as duas partes. Isso não pode fazer com que os chefes de Estado não determinem uma política maior para os seus países ¿ afirmou Lula.

Ele pregou resistência às pressões empresariais:

¿ Os dois Estados, o brasileiro e o argentino, não podem ceder à pressão de um empresário de um setor. Precisamos ver o conjunto das necessidades.

Lula amenizou qualquer desgaste entre ele e Kirchner. Lembrou que jantaram na segunda-feira, com oportunidade para ¿discutir tudo o que tinham para discutir¿. Para o presidente, Kirchner foi embora depois de terminadas as discussões da Cúpula, assim como outros chefes de governo e de Estado.

¿ Se tem uma coisa que está hoje meio nervosa entre Brasil e Argentina é apenas o meu Corinthians, o resto está tudo tranqüilo ¿ brincou. ¿ Historicamente há divergências entre jornalistas argentinos e jornalistas brasileiros, entre cantantes de tango argentino e de samba brasileiro, e isso nós vamos ter que resolver com o Estado, fazendo política.

Palocci e Lavagna voltam a se reunir mês que vem

Pela proposta argentina, quando houver alteração brusca na economia de um dos países do Mercosul, com desvantagem comercial para a indústria dos demais, seriam permitidas cotas ou barreira para proteger, por um período, as empresas locais. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, não deu detalhes dos entendimentos com os argentinos sobre a proposta entregue pelo ministro da Economia, Roberto Lavagna:

¿ Eles entregaram uma proposta. Fizemos uma avaliação e eles ficaram de avaliar e entregar uma segunda proposta.

No próximo mês, em Buenos Aires, os dois países voltam a discutir relações comerciais, num encontro entre Palocci e Lavagna. Furlan defendeu que os dois países trabalhem em conjunto para aumentar suas exportações. Afirmou que a Argentina é prioridade e rebateu declarações de empresários daquele país que o consideraram duro nas negociações.

¿ Sempre fui duro na vida. Duro mas leal.

O presidente venezuelano Hugo Chávez, que compartilhou o jantar com Lula e Kirchner, tentou encerrar especulações:

¿ Olhei nos olhos dos dois, que brindaram com vinho. As notícias de briga fazem parte da especulação de alguém interessado em criar conflitos. São dois bons companheiros e só unidos seremos livres.

O embaixador argentino no Brasil, Juan Pablo Lohlé, não tem ilusões sobre as dificuldades. Segundo ele, a Cúpula não era para debater diferenças.

¿ Temos uma relação que vai ser assim por muito tempo. Não vai se resolver nem hoje nem amanhã. Estamos discutindo interesses ¿ disse Lohlé, que atribuiu à imprensa brasileira o barulho em torno da crise.