Título: Meirelles no fogo cruzado
Autor: Carolina Brígido e Enio Vieira
Fonte: O Globo, 13/05/2005, Economia, p. 21
STF abre inquérito e determina quebra de sigilo fiscal do presidente do Banco Central
OSupremo Tribunal Federal (STF) abriu ontem inquérito para investigar o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, por suspeitas de crime eleitoral, sonegação de impostos e evasão de divisas. Também foi determinada a quebra de seu sigilo fiscal. Deverão ser enviados ao Tribunal cópias de suas declarações de Imposto de Renda desde 1996. A decisão, já esperada pelo governo e o investigado, foi tomada pelo ministro Marco Aurélio Mello, relator do caso, diante do pedido feito há mais de um mês pelo procurador-geral da República, Claudio Fonteles. Políticos pediram o afastamento de Meirelles, que disse no Rio estar sereno.
Na conclusão do despacho de quatro páginas, Marco Aurélio ressaltou que os dados obtidos no inquérito deverão ser mantidos em envelopes lacrados com ¿tarja relativa à preservação do sigilo¿. Apenas o Ministério Público e Meirelles poderão ter acesso às informações. Embora seja praxe que inquéritos desse tipo sejam investigados também pela Polícia Federal, neste caso, a decisão do STF limitou a apuração ao Ministério Público, excluindo a PF. O ministro Marco Aurélio alegou que o pedido de Fonteles não inclui, por exemplo, tomadas de depoimentos que ficariam a cargo da PF.
Os advogados de Meirelles já avisaram que não vão recorrer ao plenário contra a decisão de Marco Aurélio, embora isso ainda fosse possível. Agora, os procuradores terão 60 dias para concluir as investigações. Se o procurador-geral da República avaliar que há provas suficientes nos autos, pode oferecer denúncia contra Meirelles, o que levaria a decisão sobre a abertura de um processo penal novamente para o STF.
Marco Aurélio também ordenou que a Receita envie o relatório de uma auditoria fiscal realizada contra Meirelles e empresas controladas por ele. O BC deverá encaminhar ao STF cópia do processo que investigou remessas ao exterior de R$1,37 bilhão pela empresa Boston Comercial supostamente de forma ilegal. No período da operação, de junho de 1998 a fevereiro de 1999, Meirelles era um dos acionistas.
Ainda deverá ser enviada pelo BC a cópia do processo que investigou a atuação de três empresas off shore de propriedade de Meirelles. Marco Aurélio também pediu que o BC envie informações detalhadas sobre todos os contratos de câmbio, desde 1996, envolvendo Meirelles e nove empresas das quais o presidente do BC seria acionista.
Defesa será `agressiva e atenta¿
Ao Primeiro Conselho de Contribuintes, foi determinado o envio da cópia do processo referente à Boston Comercial, autuada pela Receita no Paraná por não recolhimento de IR. Da Receita em São Paulo foram solicitadas cópias de todos os processos administrativos sobre as declarações de compensação da Boston Comercial nos últimos cinco anos.
Marco Aurélio escreveu em seu despacho que as medidas tomadas são importantes para se elucidar quaisquer suspeitas levantadas sobre a conduta de Meirelles.
¿De início, há de se viabilizar a atuação do Ministério Público, até mesmo para que não pairem dúvidas sobre o perfil de quem dirige autarquia da envergadura do BC.¿
Os advogados de Meirelles disseram ontem que não houve surpresa com a decisão de Marco Aurélio, que o inquérito ajudará na defesa e que vão entrar na próxima semana com uma representação na corregedoria do Ministério Público para apurar o vazamento de informações sigilosas no ano passado. O advogado Cláudio Fruet informou que a estratégia é vigiar a divulgação de documentos.
Fruet ressaltou que os documentos publicados pela imprensa em 2004 coincidem com as informações do processo administrativo (PA) aberto por um procurador para investigar Meirelles:
¿ Será uma defesa agressiva e atenta para evitar uma irresponsabilidade inqualificável, como foi o vazamento de informações sigilosas.
A defesa na parte tributária ficará a cargo do advogado Roberto Pasqualin. Ele passou a manhã de ontem reunido com Meirelles na sede do BC e ressaltou que foi importante o texto da decisão não conter juízos de valor em relação ao presidente do BC.
¿ No caso da evolução patrimonial, os procuradores fizeram um cálculo errado dos rendimentos. Eles pegaram os dados apenas da primeira de duas páginas. Houve erro de aritmética ¿ Pasqualin.
O advogado confirmou que o presidente do BC fez no ano passado uma declaração retificadora de IR referente ao ano de 2002. Segundo ele, foi um procedimento legal para correção de dados no prazo de até cinco anos. Fruet disse que são legais as empresas (trusts como a Silvânia) usadas por Meirelles. Os advogados argumentaram que não se trata de planejamento tributário para pagar menos imposto, mas sim uma forma comum de administrar patrimônios pessoais.
A Receita, disse Pasqualin, está analisando as declarações de renda do presidente do BC. Outro caso que os advogados citam na defesa prévia foi a compra de uma chácara em Anápolis (GO). O imóvel pertencia à empresa Silvânia, controlada pelo próprio Meirelles, a partir de duas firmas (Silvania One e Silvania Two), em Delaware, nos EUA. O advogado Roberto Pasqualin disse que o BC avaliou estas operações cambiais e julgou que elas estão em ordem.