Título: IBGE: PREFEITURAS IGNORAM QUESTÕES AMBIENTAIS
Autor: Chico Otavio
Fonte: O Globo, 14/05/2005, O País, p. 14

Pesquisa mostra que, mesmo em cidades seriamente afetadas por poluição, governos municipais subestimam problema

Jangada (MT). Os atendentes do posto de saúde de Jangada estão assustados. Do início do ano até quinta-feira já haviam sido notificados 18 casos de menores de 2 anos com problemas respiratórios. O número, que se aproxima dos 20 casos de 2004, é um alerta para o que está por acontecer. Em agosto, quando o período mais seco chegar com a temporada de queimadas, o posto deverá registrar novo recorde de atendimentos a pacientes com bronquite, pneumonia e outras doenças provocadas pela qualidade do ar.

Divulgada ontem, a pesquisa ¿Perfil dos Municípios Brasileiros ¿ Meio Ambiente 2002¿, primeira do IBGE sobre o tema, mostrou que 1.224 municípios (22% do total) informaram a ocorrência de poluição do ar freqüente e impactante tendo como origem diferentes causas: 64% apontaram as queimadas como causa principal, seguidas de vias não pavimentadas (41%), indústria (38%), agropecuária (31%), veículos (26%) e os odores dos lixões (18%).

¿ Fico aflita com falta de ar e venho para o posto de Jangada ¿ conta Franciele Silva, de 19 anos, que faz três nebulizações por semana.

Em parte do ano, ar em Jangada é quase irrespirável

Município da Baixada Cuiabana a 72 quilômetros da capital matogrossense, Jangada fica no Arco do Desmatamento, extensa faixa de destruição de floresta amazônica que começa em Rondônia, atravessa o Mato Grosso e avança sobre o sul do Pará. Durante parte do ano, o ar da cidade é quase irrespirável. Mas, ao ser consultada pelo IBGE sobre o problema, em 2002, a prefeitura ignorou-o. Respondeu que o desmatamento e as queimadas não alteraram a paisagem ou a qualidade de vida.

Jangada não é um caso isolado. A maioria dos municípios no Arco do Desmatamento subestimou um dos mais graves problemas ambientais do país. Ao cruzar os mapas da pesquisa com os dados de satélite sobre focos de fogo, os técnicos do IBGE constataram que as queimadas, apontadas como a primeira causa de poluição do ar, passaram em branco pelo poder municipal justamente nos lugares em que produzem a maior quantidade de fumaça detectada por sensores espaciais.

¿ Como o volume de queixas das prefeituras é bem menor do que o esperado, é possível concluir que elas ou não estão percebendo o que está ocorrendo ou acham que queimadas e desmatamento estão ligadas à incorporação de novas áreas à produção e representam benfeitoria ¿ diz o biólogo Judicael Clevalário, responsável por um dos capítulos da pesquisa.

Resultado de um questionário respondido por 5.560 municípios, a pesquisa oferece um inédito conjunto de informações sobre gestão ambiental. Dividida em 14 capítulos que tratam de temas como qualidade do ar e da água, uso de agrotóxicos, além das alterações ambientais e suas conseqüências na erosão do solo, deslizamento de encostas, inundações e secas, a publicação mostrou ainda quais ações estão sendo praticadas pelos gestores, assim como a legislação e os recursos disponíveis para fazer frente aos impactos ambientais registrados.

Município com um dos mais baixos índices de desenvolvimento humano (IDH) de Mato Grosso, Jangada depende da agricultura de subsistência. O centro é cortado pela BR-163 e a maior parte dos oito mil habitantes vive na área rural. Queima-se para tudo: livrar-se do lixo, limpar a terra para o plantio, produzir cinzas para adubo e gerar carvão para fazer artesanalmente farinha de mandioca.

Nas comunidades, como em Tombador, o povo tenta, aos poucos, abandonar as queimadas. Tendência confirmada pelo prefeito Benedito Campos (PFL), que sonha com um projeto de educação ambiental.

¿ A fumaça me deixa com dor de cabeça e nariz escorrendo ¿ queixa-se um dos patriarcas da comunidade, Manoel Simão da Silva, de 62 anos.