Título: Viciados no 11 de Setembro
Autor: Caio Blinder
Fonte: O Globo, 15/10/2004, O mundo, p. 35
Não sei se rio ou se choro quando ouço o presidente e o vice atacando John Kerry por dizer que espera ver os Estados Unidos um dia voltarem a ser um lugar onde ¿os terroristas não sejam o foco de nossas vidas, mas um incômodo¿. A idéia de que o presidente Bush e Cheney declarem essa afirmação uma prova de que Kerry não é preparado para liderar na verdade diz mais sobre os dois do que sobre Kerry. Desculpem-me, não sei sobre vocês, mas eu sonho em voltar aos dias em que o terrorismo era só um incômodo nas nossas vidas.
Se tiver uma escolha, prefiro não viver o resto da minha vida com a diferença entre um bom e um mau dia estando no fato de o Departamento de Segurança Interna ter declarado ¿alerta vermelho¿ ou ¿alerta laranja¿ lá fora. Em algum lugar pelo caminho nós passamos do limite e perdemos o equilíbrio.
É por isso que Kerry tocou em algo que preocupa muitos de nós americanos: que esta guerra ao terror esteja transformando a nós e a nossa sociedade, quando deveria ter o foco em acabar com os terroristas e transformar as sociedades deles.
As respostas da equipe de Bush às reflexões de Kerry são reveladoras porque vão a fundo no tanto em que o governo tornou-se viciado no 11 de Setembro. O presidente tem explorado o tema do terrorismo para fins políticos com o objetivo de agregar a base republicana e favorecer sua própria agenda política. Mas é precisamente essa exploração do 11 de Setembro que o descarrilhou e ao país, porque não somente criou uma brecha entre republicanos e democratas, mas também entre os Estados Unidos e o resto do mundo, entre os Estados Unidos e sua própria identidade cultural, e entre o presidente e o senso comum.
Ao explorar as emoções em torno dos atentados, Bush levou adiante uma agenda de extrema-direita em impostos, meio ambiente e temas sociais para a qual não tinha mandato eleitoral. Ao fazê-lo, Bush transformou-se no presidente mais polarizador e semeador de discórdia na História moderna.
Ao usar o 11 de Setembro para justificar a invasão do Iraque sem o apoio da ONU, Bush criou uma enorme brecha entre os Estados Unidos e o mundo. Ao politizar o 11 de Setembro, Bush abriu uma brecha entre si próprio e o senso comum quando se tratou de implementar sua estratégia iraquiana. Depois de fracassar em encontrar qualquer arma de destruição em massa no Iraque, ele tornou-se tão dependente de justificar a guerra como uma resposta ao 11 de Setembro ¿ uma campanha para trazer liberdade e democracia ao mundo árabe-muçulmano ¿ que se recusou a ver a verdade sobre o Iraque.
Quando pressionado sobre o Iraque, Bush buscou cobertura atrás do 11 de Setembro e sobre como o acontecimento exigia dele ¿duras decisões¿ ¿ como se a dura decisão de invadir o Iraque o tornasse imune às críticas sobre a forma como conduziu a guerra.
Finalmente, politizar o 11 de Setembro criou uma brecha entre nós e nossa História. A equipe de Bush transformou este país nos ¿Estados Unidos na Luta contra o Terrorismo¿. ¿Bush só parece capaz de expressar nossa raiva, não nossas esperanças¿, comentou Stephen P. Cohen. ¿Os EUA sempre estiveram ligados à idéia da afirmação de algo positivo. Isto está faltando hoje. Tirando o Afeganistão, eles têm sido bem melhores na destruição do que na construção¿.
Gostaria que Kerry fosse melhor em articular de que forma os Estados Unidos vão reencontrar seu caminho. Mas a questão que ele levantou sobre querer pôr o terrorismo de volta em perspectiva está correta. Quero um presidente que possa um dia restaurar o 11 de Setembro a seu lugar justo no calendário: como o dia depois de 10 de setembro e antes de 12 de setembro. THOMAS FRIEDMAN é colunista do New York Times