Título: O FUTURO, NA VISÃO DE ESTRATEGISTAS DO GOVERNO
Autor: Lydia Medeiros
Fonte: O Globo, 15/05/2005, O País, p. 10

Estudo feito a pedido do Planalto mostra que problemas como convivência entre Poderes vão demorar para serem resolvidos

BRASÍLIA. Será preciso um bom tempo para que o Brasil mude a agenda política nacional e resolva questões seculares como a convivência harmônica entre os três Poderes, o fortalecimento do Congresso e dos partidos, a eficiência do Judiciário e o relacionamento entre União, estados e municípios. Daqui a 17 anos a reforma fiscal ainda será um tema em debate. O controle externo do Judiciário poderá estar apresentando os primeiros resultados. Em compensação, a sociedade demonstrará com mais clareza a intolerância com a corrupção e exigirá maiores mecanismos de controle sobre a prestação de serviços em setores como saúde e educação.

Essa é a perspectiva traçada pelo projeto Brasil Três Tempos, do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência, um braço da Secretaria de Comunicação de Governo, comandada pelo ministro Luiz Gushiken. A partir de análises encomendadas a especialistas de diversas áreas e pesquisa feita com 104 pessoas, todas com nível superior (sendo 41% com doutorado), montou-se um painel do futuro do país em três momentos: 2007, quando termina o Plano Plurianual em vigor; 2015, data em que será cobrado pela ONU o cumprimento das "Metas do Milênio"; e 2022, marco de dois séculos da Independência.

Os cenários mostram que em 2022 os atuais conflitos entre governo federal, governadores e prefeitos continuarão a existir. A projeção feita pelos especialistas indica 60% de chances de uma revisão do chamado pacto federativo, a divisão de direitos e deveres da União, dos estados e dos municípios. Assim, discussões como o financiamento da Previdência devem continuar a preocupar.

Federalismo negociado à vista

¿No Brasil, uma lenta e difícil negociação entre os poderes, entre os entes da Federação e entre as ONGs permite evoluções tópicas, mas sem mudança substantiva das grandes linhas do quadro institucional hoje vigente¿, dizem no estudo os analistas do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, ao comentar o cenário provável de 2022.

Esse quadro é descrito como um "federalismo negociado e participativo". O campo em que a possibilidade de mudança é maior, com 80% de chance, é o quadro partidário. Para os pesquisadores, em 2022 haverá menos partidos políticos. Serão três ou quatro grandes legendas de expressão nacional e perfil social-democrata, de um lado, e liberal conservador, de outro.

¿Esse cenário tende a delinear-se independentemente de mudança na legislação eleitoral, podendo ocorrer tanto com a adoção ou não do voto distrital, do sistema de listas fechadas para a escolha dos candidatos ou de regras mais ou menos estritas de fidelidade partidária¿, prevêem os especialistas.

Graças a essa mudança, o Congresso, com poucos partidos, mas fortes, exercerá maior influência nos rumos do Orçamento da União, com pressão para que a lei orçamentária aprovada seja uma imposição, não mera autorização como hoje, com ampla margem para a barganha política. Essa é uma discussão que já existe e ganha força, apesar da frontal oposição dos governos de plantão em todos os níveis.

Uma nova situação partidária inibirá também a tendência do Executivo de tentar controlar a pauta legislativa por meio de medidas provisórias em profusão ¿ retrato fiel da relação entre os dois Poderes hoje.

A segurança pública terá de ser preocupação federal, pela falência do modelo atual, a cargo dos estados. A orientação das políticas nesse setor deve partir de Brasília. No campo da Defesa, conflitos nos países vizinhos devem exigir maior presença militar nas fronteiras, especialmente na Amazônia e na Tríplice Fronteira, ao Sul.

Redução dos desequilíbrios regionais

O trabalho projetou ainda um cenário desejado para 2022, batizado de "Equilíbrio Republicano". Seria o equilíbrio de poderes, com Congresso forte e estabilidade na base governista. Os partidos teriam programas mais nítidos e seriam mais representativos, por causa das mudanças na legislação. Aqui, haveria ainda condições para um entendimento entre governos federal, estaduais e municipais sobre uma melhor divisão das receitas, o que levaria à redução dos desequilíbrios regionais. A proteção das fronteiras torna-se então item importante na pauta política. O crime organizado perde força. As organizações não-governamentais ganham mais influência e o controle social inibe de forma efetiva a corrupção.