Título: VIOLÊNCIA URBANA AUMENTA CASOS DE ESTRESSE
Autor: Alba Valéria Mendonça
Fonte: O Globo, 15/05/2005, Rio, p. 29

Instituto de Psiquiatria da UFRJ trata pacientes com distúrbio que ficou conhecido como neurose de guerra

Calafrios, pesadelos, palpitações e um medo terrível de sair à rua. Passar perto de uma agência bancária, então, nem pensar. Quando apenas lê notícias sobre assalto a bancos, o bancário S., de 43 anos, revive em flashback todo o horror dos três assaltos que sofreu em seu trabalho: leva às mãos à cabeça, se abaixa e pensa em fugir pela porta dos fundos. É nesse momento que percebe que está em casa há cinco meses licenciado, convivendo com as seqüelas do trauma que sofreu. O bancário é mais uma vítima do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), distúrbio psiquiátrico ¿ que no início do século XX era conhecido como ¿neurose de guerra¿ ¿ cada vez mais associado à violência urbana nos grandes centros.

¿ Vivo aprisionado dentro de mim mesmo. O pavor que sinto é muito grande. Hoje sou um homem completamente diferente do que era. Minha vida acabou ¿ desabafa S., bancário há 24 anos, que passa os dias vendo televisão.

Neurose de guerra agora é doença urbana comum

Embora no Rio não exista estatística sobre o distúrbio, o TEPT ¿ que inicialmente era associado a traumas sofridos com grandes catástrofes naturais ou guerras ¿ vem se manifestando com freqüência cada vez maior em vítimas de assaltos, seqüestros, estupros, acidentes automobilísticos e violência doméstica. No ambulatório do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, onde o TEPT vem sendo estudado há cerca de um ano, 30 pacientes em estado grave estão em tratamento. E a procura varia de dois a quatro novos casos por dia.

¿ É um número elevadíssimo, se levarmos em consideração que o portador de TEPT tem como um dos principais sintomas esconder seu caso ou não querer falar sobre o evento que causou o trauma, dificultando o diagnóstico. Além do mais, o TEPT também pode ser confundido com depressão ou distúrbio do pânico. Sem falar que ainda há muito preconceito em admitir um problema psiquiátrico ¿ ressalta o psiquiatra William Berger, da UFRJ, ele próprio vítima da violência ao ser assaltado três vezes na mesma semana, no início do mês.

Pessoas menos instruídas são mais propensas

Segundo a psiquiatra Ana Maria Maurat, do Núcleo de Medicina do Comportamento (Napades), o TEPT é um distúrbio de ansiedade grave e crônico que compromete a qualidade de vida da vítima. Além do isolamento social, pode levar ao consumo exagerado de álcool e drogas, como artifícios para suportar e enfrentar a realidade. Estudos europeus e americanos dizem que de 5% a 8% da população dos grandes centros sofrem de TEPT. No Brasil, praticamente não há estudos sobre o tema.

¿ É um distúrbio da modernidade, que está diretamente ligado à violência urbana. Atinge homens e mulheres, crianças, adultos e idosos e pessoas de todas as classes sociais, que sofreram ou testemunharam uma ação traumatizante, como um assassinato. ¿ diz a médica, que além de antidepressivos indica a terapia cognitiva comportamental para os pacientes.

Ultimamente, os médicos têm percebido que pessoas com menor nível educacional são as mais suscetíveis ao TEPT. Principalmente porque não são preparadas ou protegidas e estão mais expostas à violência. Caminhoneiros, motoristas e cobradores de ônibus, bancários e moradores de áreas violentas, como favelas, estão entre os pacientes que vêm sendo atendidos no ambulatório da UFRJ. São pessoas que estão mais sujeitas a assaltos, troca de tiros, seqüestros, estupros, espancamentos, assassinatos e começam a descobrir que também têm problemas psiquiátricos provocados pela violência da cidade.

Paciente do ambulatório da UFRJ desde meados de janeiro, S. já consegue relatar os assaltos que o traumatizaram. O primeiro ocorreu em 94. Mas foi a partir do segundo, em 2002, quando três homens armados invadiram o banco, renderam clientes e funcionários e o agrediram com quatro coronhadas e vários chutes, que o distúrbio começou a se manifestar.

¿ Eles me batiam e me ameaçavam com a arma. Quando anunciaram o assalto, o tesoureiro fugiu levando a chave do cofre. Pensei que iam me fazer de refém, quando decidiram roubar apenas um cliente que sacou R$22 mil e fugiram. O susto maior foi no terceiro assalto, em dezembro passado, quando os bandidos chegaram ameaçando minha família e dando detalhes da minha vida. A partir daí, fiquei paralisado. Tenho palpitações só de pensar em voltar ao banco.

Depois de passar por assalto seguido de troca de tiros dentro do ônibus em que trabalhava, o cobrador R., de 39 anos, não conseguiu mais retornar ao trabalho. Encostado pelo INSS há mais de dois anos, ele conta:

¿ Levei tempo para descobrir o que tinha. Tinha insônia, pesadelos e vivia sobressaltado, com medo de tudo. Ainda hoje me assusto com qualquer barulho e me jogo no chão. Nunca mais entrei num ônibus ¿ afirma ele, que só vai ao psiquiatra de metrô, embora o percurso seja muito maior.

Vítima de abuso sexual, a estudante T., de 27 anos, abandonou o apartamento onde morava, em Copacabana, e voltou para a casa dos pais, no Méier. Desde o ocorrido, há cinco anos numa praia do Nordeste, nunca mais voltou a acampar.

¿ Tenho medo de ficar sozinha e nunca mais fui à praia. Morar de frente para o mar era uma tortura. A todo instante que chegava na janela começava a chorar ¿ relembra a estudante.

Segundo o psiquiatra Berger, o TEPT não tem cura, mas pode ser controlado. Quem não consegue se recuperar de um trauma deve procurar ajuda de um especialista, e o quanto antes para evitar seqüelas cada vez mais graves.

¿ O TEPT ainda é um distúrbio muito obscuro para a ciência. Por isso, ainda não tem cura. Se não podemos dispor de uma política de segurança que garanta o bem-estar das pessoas, ao menos a gente tenta atenuar os seus efeitos psicológico ¿ conclui o psiquiatra da UFRJ.